Doces Lembranças

DOCES LEMBRANÇAS.
O velho Bertoldo...
...Ele tinha o cheiro de velho, sabem aquele cheirinho de pessoa idosa? Mas não era um cheiro ruim, era até bom – meu avô chamava-se BERTOLDO JOSÉ NOLETO, nascido no Jatobá dos Noleto, lá no Maranhão em 09/04/1903, se estivesse vivo teria hoje 107 anos, no entanto, é falecido desde 19/08/1991, ou seja, viveu 88 anos, morou em varias cidades do estado de Goiás, dentre elas a cidade de Tocantinia, Miracema, Paraíso e Goiânia.
O velho Bertoldo era cego, mas muito bem humorado, gostava de contar causos e anedotas, às vezes eu ia contar uma estória pra ele e imediatamente ele me contava outra, sempre tinha uma graça para fazer, era daqueles avôs que ficava feliz com a presença dos netos.
No tempo que ainda enxergava, era sapateiro e trabalhava com qualquer artefato que pudesse ser feito de couro inclusive cintos, bolsas e selas. Era fino na profissão que também ensinou ao meu pai, infelizmente meu pai não nos repassou o oficio de sapateiro.
Os avós são para os netos referencial de bondade de carinho e proteção e com meu avô não foi diferente, apesar de minha mãe não ser mais casada com meu pai desde 1970 ele nunca deixou de ser o sogro dela e eles se tratavam com respeito e consideração mutua. Quando nos mudamos do interior para capital Goiana em 1974, alguns anos depois ele também se mudou para lá e viveu muitos anos perto de nós, minha mãe foi responsável por conseguir o tratamento de vista dele no Hospital Universitario de Goiania, assim, ele pôde enxergar por mais alguns anos, pois ele estava perdendo completamente a visão por conta de uma catarata.
Minha avó FILOMENA DIAS NOLETO, foi sua companheira a vida toda, nunca presenciei uma discussão dos dois, somente ela que as vezes resmungava sem motivo aparente.
Na época que eles moravam em Tocantinia, que é a mesma cidade que eu nasci, meu irmão e eu, íamos sempre nas férias pra lá, mas, certa vez estávamos os quatro mais velhos (Leila, Lourdes, Levi e eu) passando férias com nossos avós, como minha avó era muito cuidadosa, ela ordenou que não fossemos ao rio, pois era perigoso e podíamos nos afogar. Mas muleque já viram como é! Teimoso que só vendo! Então numa vacilada de minha avó escapulimos dela e fomos para o rio Tocantins, pois no local que meus avós moravam, bastava uma poucas pernadas e estávamos dentro do rio, acho que não era distante mais que duzentos metros, estávamos distraídos tomando banho quando de repente meu irmão avistou minha avó e disse para mim:
-lá vem a mãizinha! Vamos correr por aqui!
Apontando um terreno grande e aberto pelos fundo porem com cerca pela lateral que impediria de nossa avó nos ver.
-quando a gente chegar lá vamos subir na mangueira e se ela perguntar a gente fala que tava chupando manga!
Olha, a estória foi igual meu irmão planejou, minha avó trouxe minhas irmãs a peso de cipó nas pernas e meu irmão e eu escapamos graças a astúcia dele, pois quando minha avó chegou em casa começou a nos chamar:
-Neeeeeeeeeeeeeeetooooooooooo, Leviiiiiiiiiiiiiiiiiii, onde vocês estão meninos?
-Nós estamos aqui mãezinha, na mangueira chupando manga!
-desce daí, vocês podem cair moleques danados.
-Já vamos mãezinha, já vamos.
Quando chegamos perto da minha avó ela nos olhou e sorriu com o canto da boca e disse:
-Vocês são mesmo danados, me enganaram desta vez, mas da próxima eu pego um atalho e chego primeiro que vocês, ai quero ver subir em mangueira!
Então eu falei pro Levi:
-Ela sabe que a gente tava no rio! acho que as meninas falaram pra ela!
-Será? Perguntou o Levi.
Então fomos perguntar pras meninas e elas disseram:
-Vocês são bestas mesmo! Olha como os olhos de vocês estão vermelhos, mãezinha é velha e, não boba!
-É mesmo Neto, disse o Levi se olhando no espelho. Então fui me olhar e descobrimos por que minha avó soube que tínhamos mentido pra ela.
Depois de vários anos, já morando em Goiânia e, como meu avô tinha a necessidade de fazer a barba pelo menos uma vez por semana e não podia fazer sozinho então eu saia de minha casa que ficava a mais de 30 Km da casa dele só para lhe barbear. Quando chegava a sua casa, colocava uma cadeira no quintal, pegava o creme de barbear e começava dar umas pinceladas em seu rosto (enrrugado e com uma ligeira deformação por conta de uma ferida que teve quando mais jovem) e ele dizia:
- Ô meu filho, faz com cuidado, não quero ficar feio, já me basta ser velho.
- Calma paizinho! Vou fazer com cuidado e feio mesmo é que o senhor não fica mais, vai ficar é bonito que só vendo!
Então começava a tirar sua barba com todo cuidado, passava a gilete suavimente, pois o rosto dele era muito sensível e qualquer vacilo poderia lhe causar um machucado.
Então eu ia fazendo a barba dele e proseando.
-Agora meu vôzinho vai poder até arrumar uma namorada nova, só não sei se a mâizinha vai deixar.
-Olha meu filho, uma namorada nova pode ser que eu não arranje, mas, uma nova namorada pode ser que sim!
-Sim, e minha avó vai ficar como?
-Ela disse que não gosta de velho, quem gosta de velho é reumatismo!
-Mas o senhor não tem jeito mesmo é só fazendo graça, olha que ela arruma um namorado ligeirinho, ela que vive indo pro mercado e o senhor fica em casa, vai ver que até já tem um.
-Como que ela vai ter namorado? Ela anda muito batendo perna é pechinchando o preço da carne, todo dia ela chega dizendo que tá o olho da cara, que o açougueiro do mercado sobe o preço todo dia e ela diz logo: “Se não fizer mais barato não levo e nunca mais compro aqui!”.
-Assim o açougueiro não tem outra alternativa que não seja vender mais barato pra Filomena, tu conhece ela e sabe que quando ela bate o pé não volta atrás.
-É mesmo paizinho, a mãizinha é danada, ninguém enrola a velha não!
Então papo vai papo vem, termino de fazer sua barba e ele toca o rosto num movimento suave, sobe desce alisa e diz:
Eiiiiita menino bom, tá muito bacana, se você não tiver nenhuma profissão, pode ser barbeiro que vai se dar muito bem. Obrigado meu filho que Deus lhe pague.
E esta é uma das boas lembranças que tenho do meu querido avô, do qual herdei o nome e o bom humor, meu avô era o tipo de homem que deixava qualquer pessoa tranqüila, pois, era bondoso, honesto e um exemplo de pai e avô, viveu com sua esposa Dona Filomena desde o dia que casou até o dia que morreu e nunca soube de que tenham brigado. Estas lembranças levarei comigo até o fim dos meus dias que espero que sejam longos.
Aos meus avos: BERTOLDO JOSÉ NOLETO e FILOMENA DIAS NOLETO
Bert Noleto.
Macapá, 30/11/2010.
 

Bert Noleto
Enviado por Bert Noleto em 30/11/2010
Reeditado em 01/02/2024
Código do texto: T2645182
Classificação de conteúdo: seguro