Quintana – O Poetinha Passarinho
“(...) meus poemas são eu mesmo, nunca escrevi uma vírgula que não fosse uma confissão. Ah! Mas o que querem são detalhes, cruezas, fofocas ... Aí vai! Estou com 78 anos mas sem idade. Idades só há duas: ou se está vivo ou morto. Neste último caso é idade demais, pois foi-nos prometida Eternidade. Nasci no rigor do inverno, temperatura: 1 grau; e ainda por cima prematuramente, o que me deixava meio complexado, pois achava que não estava pronto. Até que um dia descobri que alguém tão completo como Wiston Churchill nascera prematuro – o mesmo tendo acontecido a Sir Isaac Newton! Excusez du peu... prefiro citar a opinião dos outros sobre mim. Dizem que sou modesto. Pelo contrário, sou tão orgulhoso que acho que nunca escrevi algo à minha altura. Porque poesia é insatisfação, um anseio de auto-superação. Um poeta satisfeito não satisfaz. Dizem que sou tímido. Nada disso! Sou é caladão, introspectivo. Não sei porque sujeitam os introvertidos a tratamentos. Só por não poderem ser chatos como os outros? Exatamente por execrar a chatice, a longuidão, é que eu adoro a síntese. Outro elemento da poesia é a busca da forma (não da fôrma), a dosagem das palavras. Talvez concorra para esse meu cuidado o fato de ter sido prático de farmácia durante cinco anos. Note-se que é o mesmo caso de Carlos Drummond de Andrade, de Alberto de Oliveira, de Érico Veríssimo – que bem sabem (ou souberam) o que é a luta amorosa com as palavras.”
Esta é a incontestável afirmação dada pelo “Poetinha Passarinho” à revista Isto É, 1984. “Poetinha” foi o apelido dado por Vinícius de Morais a Mário Quintana; “Passarinho” é referência ao célebre Poeminha do Contra.
É difícil esconder nossa paixão pelo “Poetinha”, paixão esta que não se coleriza em partilhá-lo com tantos, posto que também temos outras paixões.
Definir Mário Quintana é praticamente impossível, para isso teríamos de delimitá-lo. Digamos então que Quintana é uma imagem nova a cada momento, refletida em um espelho de uma esquina movimentada; pois também a alma se renova eternamente, o que nos faz concordar com a afirmação de Fausto Cunha:
“Além do talento e do gênio, que marca os grandes líricos, eles devem possuir rigoroso domínio da forma e ter uma agilidade criadora que lhes permita passar de um estado a outro, de uma inspiração a outra, sem afundar nos lugares-comuns que só fazem engrossar o lixo poético.”
Quem poderia extrair o melhor da poesia de Quintana, , posto que são um todo indivisível. A sutileza de sua percepção nos causa uma amenidade assustadora invadindo-nos como um grito, tornando-nos cúmplices de suas confissões:
“Há os que fazem materializações...grande coisa! Eu faço desmaterializações...” (Operação Alma)
“Às vezes me pinto coisas de que nem há mais lembrança.../ou coisas que não existem / Mas um dia existirão...” (Auto Retrato)
“...um poema não é um teorema...” (Canta)
“...haverá coisa melhor para indicar a luta do poeta com o poema? ...cada poeta tem que descobrir lutando, os seus próprios recursos.../ Enfim meu poeta, trabalhe, trabalhe em seus poemas e em você mesmo...”
“Confesso-me tão mau observador que, um dia destes, tendo sido depositado provisoriamente no quarto de banho do hotel um espelho de corpo inteiro,este, a quem nada escapa, revelou-me que eu não tenho uma coisa que todos têm, isto é: pelos nas axilas.”
Quintana imortalizou-se pela simplicidade, originalidade, sutileza, ressonância, lirismo e multiplicidade de inspiração de suas prosas poéticas ou de seus poemas em prosa.
Gostaríamos de, então, deixar um recado ao nosso eterno “Poetinha”:
Aqui estamos no Sanduba Café Bistrô, em um luta sacrílega com nossos poemas e seus detritos, para quem sabe daqui a uns 100 anos, pela força do tempo, da genética ou do corte, humildemente postar-nos a seus pés e bradarmos: ‘Temos algo em comum, também não temos pêlos nas axilas’.
Denise Reis