Depoimento de Stefan Zweig sobre o Brasil (parte 1)

Outrora os escritores, antes de darem um livro à publicidade, costumavam escrever um pequeno prefácio, no qual declaravam por que motivos, de que pontos de vista e com que intenção haviam escrito a obra. Era bom hábito, pois criava desde logo, pela franqueza e pelas palavras dirigidas aos leitores, conveniente entendimento entre um e outros. Desejo, pois, dizer, com a maior sinceridade possível, o que me levou a ocupar-me com um tema, na aparência, muito afastado do meu habitual círculo de atividade.

Quando, no ano de 1936, devia partir para Buenos Aires a fim de tomar parte no congresso do P.E.N.C., recebi convite para, aproveitando essa viagem, visitar o Brasil. Minhas expectativas não eram lá muito grandes. Eu tinha, sobre o Brasil, a idéia pretensiosa que, sobre ele, tem o europeu e o norte-americano, e tenho agora dificuldade de recordá-la. Imaginava que o Brasil fosse uma república qualquer das da América do Sul, que não distinguimos bem umas das outras, com clima quente, insalubre, com condições políticas de intranqüilidade e finanças arruinadas, mal administrada e só parcialmente civilizada nas cidades marítimas, mas com bela paisagem e com muitas possibilidades não aproveitadas — país, portanto, para emigrados ou colonos e, de modo nenhum, país do qual se pudesse esperar estímulo para o espírito. Uma visita de dez dias a tal país parecia-me suficiente para quem não é geógrafo, colecionador de borboletas, caçador, sportsman ou negociante. Demorarei lá oito ou dez dias e depois regressarei depressa, assim pensei, e não me envergonho de confessar esse meu modo insensato de pensar. Acho mesmo importante fazê-lo, porque ele é mais ou menos o mesmo que ainda é corrente nos círculos europeus e norte-americanos. O Brasil, no sentido cultural, ainda hoje é uma terra incógnita como, no sentido geográfico, o foi para os primeiros navegadores. Muitas vezes fiquei surpreso de ver que idéias confusas e deficientes, mesmo pessoas cultas e interessadas por coisas políticas, possuem sobre esse país que, indubitavelmente, está destinado a ser um dos mais importantes fatores do desenvolvimento futuro do mundo. Quando, por exemplo, a bordo, um negociante de Boston, de modo bastante depreciativo falou sobre pequenos países sulamericanos e eu tentei lembrar-lhe que só o Brasil compreende um território maior do que os Estados Unidos, julgou ele que eu estava gracejando e só se convenceu da minha afirmativa diante dum mapa. Encontrei num romance — de autor inglês muito conhecido — o engraçado pormenor de fazer o seu protagonista ir para o Rio de Janeiro a fim de nesta cidade aprender o espanhol. Mas esse autor é apenas um dos inúmeros indivíduos que não sabem que no Brasil se fala português. Todavia não compete a mim, está claro, fazer censuras pretensiosas a outros por seus poucos conhecimentos; eu próprio, quando parti pela primeira vez da Europa, nada, ou, ao menos, nada de seguro sabia sobre o Brasil.