O pescador

Cumpade sim...

Um homem alto sem um grama de gordura.

Fazendo inveja aos “barrigas de Tanquinhos”, tudo graças ao remo que o levava na velha canoa, maré a fora em busca do sustento para os treze filhos e a cumade.

Dia dava. Outros não.

Nunca gritava ou brigava com os filhos.

Tinha sempre uma palavra amiga e se tudo desse errado em um dia sempre pensava que o outro seria melhor.

A cumade sabia tudo... Era quem tomava conta dos moleques. Era quem comprava, vendia, emprestava, educava as crianças e também dividia os trocados que sobrava da venda do pescado.

De vez por outra pedia para dar um peixinho a fulano ou sicrano.

Nunca o vi discutir com a cumade, mas estava sempre lá. Sentado fumando seu cigarro de fumo e olhando a casa se encher de filhos, rapazes e moças, e os pequeninos que continuavam chegando. O último a cumade pariu já passando dos cinquenta.

Às vezes eu pensava em como cabia tanta gente em um espaço de cinco por oito. Divididos em dois quartos, cozinha e um corredor que eles chamavam de sala e que se muito media era dois e meio de largura por cinco de comprimento. Mas cabia! Os filhos, os amigos e amigas dos filhos e mais tarde genros, noras, netos e todos os aderentes que advinha daí.

Eram especiais os dois. Porém o que me chamava atenção nele era a capacidade de se calar.

De nunca reclamar da mulher, dos filhos, dos amigos, da família, da vida, nem mesmo da cegueira que foi lhe tomando aos poucos a capacidade de se sustentar.

As vezes que fui visitá-lo depois que perdeu a visão, eu fiquei impressionada com a calma que ele falava da falta que sentia do mar, da pescaria, de remar maré abaixo, de entrar no manguezal a procura de ostras, mariscos, dos peixes que pescava. Não era revolta, quem sabe um lamento ou uma saudade.

Lembro a última vez em que o visitei. Ele estava sentado no terreiro e quando entrei, ele disse - É a “cumade” não é?

E como de sempre voltamos ao tema pescaria lembrei-me de um gato esperto que sempre estava a porta da mercearia da rua onde morava a espera do peixe que com certeza ele daria.

Sorriu ao lembrar como tive medo ao entrar na canoa pela primeira vez e percorrer a imensidão da maré, junto com suas filhas.

Com aquele jeito de falar de quem não foi à escola dizia “Cumade” se virar você nada, como se fosse a coisa mais fácil do mundo.

Depois de prosear um pouquinho ele disse:

- Pois é cumade ta chegano meu tempo, tem nada não. Já vivi muito.

Chegou pouco tempo depois. Eu não fui ao velório, estava distante. Mas quando soube fiquei pensando que se existe anjos, meu cumpade deve ser um deles.

Nunca vi tamanha resignação e bondade em um ser humano.

Arlete Araújo
Enviado por Arlete Araújo em 11/10/2010
Reeditado em 28/04/2012
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