A Carlos Drummond de Andrade Estátua
Ó, Carlos, meu etéreo amigo, quanta desumanidade contigo.
Tu que eras homem, feito de ferro e carne e vento.
Prenderam-te à vida, mas morto.
Puseram-te na praia, Carlos,
mas de costas para o mar
e diante de moças que tu, duro e inerte, não podes tocar.
Queres ir para Minas, rever Itabira?
Ó, Carlos! Não podes.
Minas ficou velha.
E agora, de bronze,
ficaste insensível e muito, muito feio.
Não ouves o mar.
Não podes sentir a brisa salgada
(que lambe a tua fronte calva).
Não podes andar, descalço e nu, pela fina areia branca
nem sabes dizer se existem gaivotas em Copacabana.
E pra piorar, Carlos,
sequer podes ver este asfalto estéril e inflexível
por onde corem os bondes modernos,
cheios de pernas e peitos falsos.
Não tens mais a lua e nem teu conhaque.
Já não te comoves, Carlos,
já não te comoves.
Quer ir para Minas, rever Itabira...
Mas, Carlos, não podes.
Minas ficou velha,
sem ouro, sem gado, sem fazendas.
Morreram-te os sonhos, todos.
E o teu elefante dormita, solitário e bêbado,
sob algum viaduto em São Paulo.
E agora, Drummont?
Não tens mais a pena.
Não tens mais o amor.
Só tens esse banco
e esse olhar triste
(és todo triste agora, Carlos)
atrás de teu novíssimo par de óculos.