Dia dos Pais: Pai ideal - Pai real!
Novamente é dia dos Pais. O comércio tira proveito da data. São tantos apelos que nos confundem e, parecem não haver dificuldades financeiras, as lojas estão abarrotadas de gente. O trânsito infernal, todos querem presentificar seu afeto, inda que de maneira trivial, todos querem de maneira concreta demonstrar o amor e o reconhecimento aos pais.
Passeando pelo Recanto essa semana, li um texto do autor Ruy da Silva Barbosa sobre o histórico, a origem enfim, da instituição dessa data no calendário. Segundo o autor, nos Estados Unidos desde 1910, no Brasil desde 1955, realiza-se anualmente a justa homenagem à figura paterna. Como uma coisa puxa a outra e tudo parece estar interligado, os assuntos abordados na psicoterapia, o texto que li, a crônica que recebi de uma colega, as apelativas campanhas publicitárias na mídia e, o movimento no centro da cidade, levaram-me a refletir sobre o que teria a dizer ao meu Pai, em data tão especial.
Penso, talvez o decepcionasse um pouco... seria um tanto ácida com ele. Mas ainda assim, resolvi tentar. E o faço, partindo do princípio que temos duas concepções de pai em nossas vidas: o pai ideal e o pai real. Internalizado em nossa subjetividade a imagem do pai ideal, o desejo infantil de um pai onipotente, onipresente e onisciente, ou seja, um pai herói. Um pai capaz de ler nossos pensamentos, capaz de perceber nossos sentimentos, como se fôssemos transparentes. Portanto, capaz de compreender os desejos mais íntimos, submersos em nossa alma. Então, portador dessa profunda leitura do nosso sentir e do nosso querer, esse pai herói, deveria ainda satisfazê-los todos. Sim, deveria ser capaz de atender plena e satisfatoriamente todos os nossos desejos e necessidades, inclusive aqueles que sequer ousamos manifestar. Afinal, um pai herói tem o dever de nos dirigir todos os olhares e, de cuidar da gente para que nada, nada possa nos afetar...
Ah, esse pai pode afastar todos os males, pode afastar toda dor, pode mandar o vento cessar, sim, pode acalmar as tempestades, pode calar o trovão, pode afastar o medo do escuro e mandar embora o bicho papão. Esse pai não se atrasa, não fica doente, não xinga, ao contrário, está sempre alegre e, sonha com a gente e, brinca e conta histórias e canta e... Ah, Papai, essa imagem ainda a tenho comigo. E agora te xingo: por que ficaste nos meus sonhos? Te esperei tanto naquele balanço em todo final de tarde, quando Mamãe me banhava para te esperar... Aquele balanço, agora vazio, voltado para o Sol poente, o céu um laranja quase avermelhado. Ah, Papai, ainda choro ao lembrar o meu olhar longeolhando no desejo de vê-lo chegar. Mas não vieste Papai, não vieste a tempo de me embalar e, penso por vezes, ainda insisto em outros balanços te esperar...
Meu Pai ideal ficou no desejo inconsciente de uma figura paterna sem mácula, um deus e não um humano homem. A vida porém, foi generosa comigo, e me deu um pai humano, nem de barro, nem de aço. Um pai de carne e osso, com suas virtudes e seus defeitos e eu o amo tanto. Meu Pai real, um homem simples, trabalhador, lutador pela vida e pelos sonhos de uma vida digna para todos. Nessa sua empreitada de lutar pelos direitos iguais na sociedade, Papai se empenhou tanto lá fora, que certamente, por isso em casa, sentimos a falta do seu olhar. Mas Papai, foi bravio e guerreiro. Vindo de família simples, o estudo que teve até o ‘terceiro livro’ como menciona, não o intimidou. Papai buscou conhecimentos na luta do dia a dia do metalúrgico, que se organizou em Sindicato, do líder comunitário que cuidou do esporte como lazer saudável em seu bairro, do homem de fé que buscou ensinamentos nos ritos e nos estudos bíblicos. Ah, Papai como aprendeste, custou-te caro o saber e a luta, te tornaste crítico, te politizaste e isso em época de ditadura é um acinte. Enfrentaste também essa luta Papai e novamente, sentimos a tua falta.
Meu Pai real, sobreviveste à opressão e às arbitrariedades da prisão na ditadura, mas não abandonaste teus ideais. Continuaste firme em teus propósitos de mudar o mundo, torná-lo justo para todos, humanizá-lo. Então, a política te sequestrou de vez de nós... Quantos anos meu pai, até assumir por alguns meses, aquela dita cadeira de vereador? E para quê? Para depois, decepcionado quase ruires de vez... Por fim, um pai real, pode cair. Cair na frustração, cair na desilusão de seus sonhos e encontrar saídas fáceis para suas decepções, cair na dependência alcóolica, teus deslizes Papai.
Ah, Papai foste mais forte que eles. E te reergueste! Não tiveste pretexto algum para negar-te a buscar ajuda e, penso por amor à vida, por amor a nós, agora por fim nos olhaste e foste em busca de tratares. Papai, temos dez anos de vitória a comemorar! Por isso, Papai na plenitude dos teus oitenta e dois anos, quero te abraçar pelo Pai real que tu és hoje, meu querido e velho Pai, com teus cabelos brancos, teu sorriso largo, teu jeito jocoso de falar da vida e esse jeito tão amoroso que agora por fim, posso sentir em ti. Sim, posso Papai, quando te vejo marejar o olhar ao contemplar minha foto de menina, ao vir dar-me um beijo todos os dias, ao cuidar da bisneta com olhar zeloso, ao contar orgulhoso das vitórias de teus netos e netas e, especialmente por teres paciência com o temperamento forte de Mamãe. Papai, que bênção tê-lo ainda e, nesse Dia dos Pais, poder te dizer, com o coração saltitante de alegria, como ainda naqueles dias de minha infância: Obrigada por tudo, Deus te abençoe, sejas feliz Papai...
P.S.: Aproveito o ensejo para desejar Feliz Dia dos Pais, a todos os leitores pais que vierem me ler! Parabéns pelo seu dia!