Saramago
José Saramago nascido em Azinhaga, no Ribatejo, região central de Portugal, deixou a procissão desta vida neste mês de junho aos 87 anos de idade. Morreu o ensaísta-romancista-filósofo-camponês que não acreditava em Deus. Deixou uma obra literária extraordináriamente vasta e variada produzida ao longo de sessenta anos. Seu primeiro romance, "A Terra do Pecado" foi editado em 1947.
Quando a Revolução dos Cravos libertou Portugal da mediocridade e do fascismo colonialista, Saramago estava lá a perscrutar os sinais dos tempos como caminho da razão e da liberdade em sua proposta de tornar menos dramática a vida humana. Anos depois, por motivos de dignidade literária, rompeu com o governo português, mantendo-se desde então intransigentemente afastado das instituições do seu país.
"Memorial do Convento" foi o romance que trouxe-lhe reconhecimento internacional e o Prêmio Nobel de Literatura em 1998 (o único até hoje concedido a um autor de língua portuguesa). Dentre sua obra destacam-se: "Levantado do chão", "A Caverna", "O anjo da morte de Ricardo Reis", "Jangada de Pedra", "História do cerco de Lisboa", "Manual de Pintura e Caligrafia", "O homem duplicado", "As intermitências da Morte", "A viagem do Elefante"...
Nos meios literários costuma-se brincar dizendo sofrer uma maldição o laureado com o Nobel de Literatura, visto que, raramente um premiado pela Academia sueca, consegue emplacar um novo sucesso retumbante. Saramago quebrou essa maldição. Após o Nobel ficou melhor ainda e sua acidez literária mais intensa.
É certo que foi um homem cético, pessimista contumaz, sarcástico, irônico, dono de um humor rebuscado em seus ensaios-paródias. Não pertencesse Saramago à linhagem de Eça de Queiroz, Fernando Pessoa, Florbela Espanca, Joaquim Paço d´Arcos, Augusto de Castro, Lobo Antunes... Ou seja, um legítimo autor português!
Saramago flagrou, genialmente, as perversidades dos sistemas econômico, político, religioso. Seu sarcasmo e sua estilística são únicos. Em "O Evangelho segundo Jesus Cristo" e mais recentemente em "Caim", Saramago ironiza/critica/desmistifica a figura divina. Melhor dizendo, desconstrói a imagem de Deus que um sistema religioso ergueu às custas da essência humana. Em "O Ensaio sobre a Cegueira" Saramgo é contundente. No entanto, a mim, seu leitor, passava a impressão de recusar-se ir a fundo nas questões teológicas e filosóficas. Como não há, na verdade, nenhum teoria seja fisolosófica seja científica que negue Deus irrefutávelmente - e nunca haverá - Saramago optava por um comodo ateísmo. Eu prefiro optar por acreditar...
Alguns dizem ter sido Saramago um escritor herético. Como cristão não concordo com isso. Foi sim um demolidor e um escritor muito bom. Um escritor genial que deve ser lido... e discutido... com abertura e lucidez... e com honestidade sempre.