Coração Materno
Duas horas da tarde . Ali no início do Morro da Viúva fizeram sinal: duas senhoras ambas de cabelos brancos, preparavam-se para entrar no lotação, quando o motorista gritou : - "um lugar só"! A velhinha mais velha , já com o pé colocado no carro com imensa dificuldade, conseguiu retirar a perna comprometida, com dificuldade ainda maior, sob os protestos persuasivos da velha mais moça, que dizia : _"Vai, mamãe, vai a senhora, eu vou em outro". A mãe se des manchando em timidez, medo e bondade , sorria : -" Não minha filha ,eu não posso te deixar aqui sozinha". _"Vai mamãe..."Não minha filha . _ " Pelo amor de Deus mãe, o homem está esperando.
_ Mas... minha filha?! Os passageiros esperavam com tole - rante paciência de quem teve ou já teve mãe . O motorista fez força ( e o conseguiu , parabéns ) para refrear a sua fúria de Averno.
_ "Vai , mãezinha , aqui neste ponto é difícil arranjar dois luga-res. _" Não , não posso te deixar sozinha minha filha. Nunca!".
Diante do impasse , levantou-se , resoluto um senhor sentado no bsnco da frente , oferecendo-se para ir em pé,as duas senhoras iriam sentadas. Ah , mas isso não , aparteou o motorista, era contra o regulamento, dava multa. O amável passageiro descompos o regulamento do tráfego e os demais regulamentos : eram desumanos. Ao pé da calçada , o torneio sentimental de mãe e filha continuava :
_ Vai, vai, mãe.
_ Não posso ir sem você , minha filha .
Quem viu a necessidade eventual de perder docemente a paciência foi a filha. Usando de energia adequada ao momento, segurou o braço da velhinha ( mas velhinha mesmo, frágil, frágil ) , empurrou-a com o mínimo de força necessária, proferiu uma ordem
imperiosa: _ Vai, mãe !
E a velha mais moça se afastou em passadas compridas ,
impedindo a contramarcha da velha mais velha, que estava no limite extremo de sua timidez, e não teve outro jeito senão agarrar-se ao braço do motorista, entrar penosamente, sorrir pedindo perdão para todos os passageiros. Ajeitou-se no banco, esperou o barulho do motor e comentou para a vizinha ( que a olhava, compreendendo tudo, as velhas , as mães e o cosmos) : _ " coitadinha ! Eu fico morrendo de pena de deixar ela aí, só, tão longe !
Longe de onde ? Das entranhas que criaram uma menina. Longe. Só.
A viagem para o centro foi recomeçada, sem novidades, todos voltaram para dentro de si mesmos , esquecidos do episódio. A mãe, no entanto, furtiva ( certa de que já causara bastante transtornos naquele dia ( inspecionava todos os lotações que ultra -
passavam o nosso , aflita em sua quietude, buscando lobrigar a filha
Mas foi só quando o lotação entrou na Avenida, e parou diante de um sinal , que , enfim, a velha mais moça, a filha, apareceu em um lotação ao nosso lado. As duas se sorriram como depois de uma longa e apreensiva travessia. A velhinha chegou a fazer graça:
_ "Graças a Deus, minha filha ! Você ainda chegou antes de mim.
_ "Eu não disse , mãe , que não tinha perigo ?
A filha desceu na esquina, chegou até perto da janela do nosso lotação, segurou a mão de sua mãe:
_ "Agora vai direitinham , viu ? "
_ "Você pode ir descansada, minha filha".
O lotação arrancou de novo, gestos de adeus , a harmonia voltou ao rosto da nossa velhinha , que tranquilizou também a vizinha de banco:
_ " Ela vai trabalhar no Ministério; eu vou para casa, moro no Rio Comprido.
Eidentemente esse texto não é meu. Jamais eusaberia escrever essa beleza de AUTORIA de PAULO MENDES CAMPOS , nascido em Belo Horizonte , em 1922. Desde muito cedo já escrevia. Morou em Paris , Londres e perambulou pela Itália . Amigo de Viniciu , Ary Barroso. Publicou vários livros , casou-se com Joan , visitou a União Soiética ( na época, hoje é a CEI ) , Suécia , USA , etc... Morou em Leblon e teve 2 filhos . Era poeta, jornalista , cronista e filho de médico. Morrei em 1991.
Kalena : homenageando as mães de todos os RINCÕES do
Brasil. Que Deus as protejam MÃES!!!