À hora da Ave Maria...
Quando os derradeiros raios do poente ainda davam vida aos arcaicos móveis da casinha, o rádio rezava piedosamente a oração do Ângelus
“O anjo do Senhor anunciou a Maria.
E ela concebeu do espírito Santo. Ave Maria...”
Assentado no encosto da cadeira de minha mãe, brincava com os cachos de seus cabelos, enquanto ela, ao som da máquina de costura, dava forma às peças do guarda-roupa do alheio.
“Eis aqui a serva do Senhor
Faça-se em mim segundo a vossa palavra. Ave Maria...”
O velho portão cinza da casa do meu avô cantava rouco sedento de óleo em suas juntas. Vagarosamente ia se abrindo, quando lentamente cruzava seu limiar, com o velho chapéu de palha sujo de cimento meu pai, trazendo no bolso furado da camisa o seu companheiro das horas de ócio: o inseparável pito de palha.
“O verbo Divino se fez carne
E habitou entre nós. Ave Maria...”
Ritualmente as botas de pedreiro tinham o solado limpo antes do cruzamento do limiar da casinha da horta. Enquanto o “prego da parede” guardava o chapéu de palha, o caixote por detrás da porta dava abrigo às botas que, naquele instante iam descansar descansando os pés. E sob o crepúsculo vespertino ao som da última Ave Maria, bênçãos eram rogadas e bênçãos eram concedidas.
_Sua benção papai!
_Deus te abençoe, meu filho!
BH, 19/03/2003
HOMENAGEM AO MEU QUERIDO PAI