Tinhâmo, mamãe. No começo era assim que falava. Ouvir isto não tem preço. Rostinho lindo e sapeca, olhos tal qual duas jaboticabas.
Nasceu tão pequena em comparação aos irmãos já rapazes, que eu a chamava de meu botãozinho ...
Uma princesinha ... rodeada de súditos.
Ao ouvir seu primeiro choro, a pergunta fatídica, que nenhuma mãe a escapa, não importa quantas ecografias de 3D, 4D, quantos Ds te ofereçam:
É perfeita?
Sim, é perfeita e bem bonitinha – respondeu o anestesiologista.
Devia ser mesmo, pois acostumado a tantos rebentos, ela chamou-lhe a atenção.
Eu te amo, mamãe. Agora é assim.
- Mamãe, cadê a Lua? O vovô acena lá da Lua.
- Você enxerga o vovô daqui lá na Lua?
- Não, o vovô acena quando eu durmo. Ele agora mora lá na Lua.
Como explicar a morte a uma menininha de três anos?
Uma vez, perguntou-me:
- Aonde vamos?
-Vamos ao tio Rui, plantar flores para o vovô (as cinzas de meu pai estão sob uma Acácia, pois era maçom, na chácara que meu irmão vive desde sua aposentadoria).
- Para o vovô? Vou buscar o desenho que fiz para dar ao vovô.
Minha princesa pensou que veria o avô ... como ela entenderia, se eu mostrasse o local onde as cinzas do avô estão enterradas? O que passaria por sua cabecinha? Não acreditaria? Ou tentaria tirar o avô de sob a terra?
Após respirar fundo, lembrei da Lua.
- Não, meu amor. O vovô não está no tio Rui. Ele está na Lua, lembra? Mas ele vai ver as flores, lá da Lua.
- Mas vai estar escuro, e o vovô não vai conseguir ver – já chorando a minha pequena.
- Vai sim. A Lua vai iluminar as flores para ele.
Minha bruxinha ... como a mãe, ama a Lua e ama gatos.
Será herege, como a mãe? Terá morrido na fogueira? Inteligente como é, com certeza não foi beata. Talvez uma amazona ou uma feiticeira celta ...
Meu continnun mitocondrial, herdeira matriarcal, da Eva primordial ...
Herdeira mental de Maria Madalena, Hipatia de Alexandria, Ana Néri, Florence Nightingale, Chiquinha Gonzaga, Marie Curie, Eleanor Roosevelt, Aracy de Carvalho Guimarães Rosa, Patrícia "Pagu" Galvão, Rosa Parks, Ruth Cardoso.
Mãe humilde e modesta que sou ...!
Imagem: Fragmento do Evangelho segundo Maria Madalena/jahmusic.vilabol.uol.com.br