Eternidade de Um Amor

Por durante quinze anos te amei incondicionalmente, infinitamente, sem pensar na possibilidade de te perder. Você estava sempre ao meu lado. Nunca dava uma palavra, mas estava sempre estampando sorrisos em meu rosto, me fazendo rir incessantemente, nunca me lembro de ter me chateado contigo.

Lembro de uma tarde, ainda em minha infância, em que saímos para passear de bicicleta. Você sequer reclamou ou esbravejou, apenas seguiu comigo, analisando todo o trajeto, ouvindo meus cochichos e gargalhadas, fazendo meus dias se tornarem cada vez mais especiais.

Ter sua companhia durante todo o dia, incluindo à noite, me fazia sentir mais segura e espantava o pavor que eu tinha do escuro e suas fantasias cruéis criadas por pessoas aleatórias. Ouvir sua respiração à noite me fazia sentir uma tremenda paz. Me fazia sentir especial, afinal, foi sua opção ficar comigo durante todos os momentos.

Um dia, mudamos de casa. Eu já havia crescido um bocado, tinha lá os meus catorze pra quinze anos e ainda te amava. E muito.

Sua idade já estava bem avançada, na verdade, você tinha a mesma que a minha. Mas pra você, era muito avançada. A doença atacava sua saúde, fazendo com que uma parte sua fosse “tirada” de mim a cada dia que passava. Na verdade, era completamente impossível que fosse tirada de mim, afinal, presente ou ausente você fazia mais parte de mim do que eu pensava.

Para ser mais exata, o que te causava sofrimento era um imenso tumor que você tinha em sua mama. Por ter uma idade tão avançada, uma operação estava completamente fora de cogitação, pois isso certamente causaria uma morte muito rápida, fazendo com que você fosse para bem longe de mim.

Quando finalmente completei meus quinze anos, você já havia perdido uns 90% de sua visão; e como sua locomoção era muito difícil, eu te ajudava. Você quase não tinha mais dentes, e os poucos que restavam já estavam para cair, e por te amar tanto, eu não me importava de preparar uma refeição especial pra você, de levar a comida até a sua boca. Isso me fazia feliz.

Mas em uma manhã, fazia pouco tempo que havíamos acordado, você estava no quintal, e eu dentro de casa. De longe, ouvi um ruído, seu choro. Um choro alto, rouco e parecia dizer algo.

Saí correndo, e para minha surpresa e tristeza, me deparei com você caída no chão, sem se mover, com lágrimas nos olhos. Eu sentia você falando comigo através do seu olhar. Eu chorava desesperadamente, sem saber o que fazer, pois eu sabia que era a última vez que escutaria sua respiração, que sentiria sua respiração mover o seu peito marrom.

Como eu sentiria falta daquela criaturinha pequena e marrom, alegre, que me recebia aos pulos quando eu voltava da escola, que sabia dos meus segredos e mágoas, que era minha companheira. Pig era seu nome. Uma pequena Pincher que sempre me olhava com um olhar apaixonado, submisso.

Continuei sentada ao seu lado, te vendo agonizar e me olhar. Te peguei em meus braços e continuei a chorar incessantemente. Eu jamais abandonaria você, mesmo que me doesse muito te ver sofrer daquele jeito. Alguns minutos se passaram, você deu um último suspiro e então, se foi.

Lembro de gritar pelo seu nome, de pedir pra você não me abandonar, de abraçar seu corpo ainda quente e até mesmo, de te beijar incessantemente.

Fiquei abraçada em você por alguns minutos e então, coloquei você de volta no chão e fui avisar meus pais, que já estavam cientes de tudo, que estavam completamente emocionados.

Não tive forças para ver meu pai enterrar o seu pequeno corpinho no jardim, ele mesmo achou melhor que eu não visse. Meu coração estava basicamente entalado na garganta, o desespero tinha tomado conta de minha alma. Tantas fotos suas, tantos momentos juntas, tantas peripécias nossas.

Fiquei extremamente mal durante muito tempo, pensando em você durante o tempo todo, chorando durante minha solidão, pensando se talvez eu tivesse tido alguma parcela de culpa nisso tudo.

O tempo passou e com você sempre em minha cabeça e coração, ainda me recuperava e te amava incondicionalmente, olhando as estrelas e sempre me lembrando de você.

Em uma tarde, voltava eu do colégio com minha mãe e ela havia dito que precisava ir até a casa da minha avó. Fomos até lá e ao chegar, minha avó disse que tinha uma amiga que tinha uma cadela que havia tido filhotes há pouco tempo e perguntou se nós não queríamos vê-los. Minha mãe hesitou, mas logo minha avó a convenceu. Mas mamãe havia dito que apenas iria olhar e ir embora.

Ao chegar lá, a filha da senhora foi abrindo o portão e no levou até os filhotes. Cada um era mais lindo que o outro! Eram Daschunds (no popular, os famosos Salsichinhas) de pêlo curto, marrons, pequenos, adoráveis!

Eram pouquíssimas fêmeas, não me lembro ao certo, mas acho que eram duas ou três e o resto era macho. Mas uma menininha em especial chamou a atenção.

A pequena pulava incessantemente nas outras criaturinhas, corria loucamente, brincava demais, era até meio magrinha. Ela era marrom, com umas “mechas” pretas ao redor do corpo. Seus olhos pareciam com os de um guaxinim, pretinhos ao redor do globo ocular. Um nariz pequenininho e pretinho, que dava vontade de beijar e apertar e ainda por cima tinha um umbiguinho pequenino, menor que um botão de rosa.

Minha avó, muito esperta, disse para minha mãe levar a pequenina, mas minha mãe não queria levar, pois tinha medo de outra perda. Minha mãe disse então para minha avó levá-la para sua casa. E foi o que ela fez. Fomos para a casa dela, carregando conosco a marronzinha que ainda não havíamos dado nome. Minha mãe então sugeriu chamá-la de Kika, e assim ficou.

O alguns dias se passaram, e a Kika já estava um pouco maior, e os dentinhos prontos para mastigar algo mais sólido. Todos os dias depois das minhas aulas minha mãe e eu íamos visitar a Kika, e toda vez na hora da despedida, ela corria até a escada, mas não conseguia descer, e começava a chorar desesperadamente querendo ficar conosco. Isso continuou acontecendo por mais alguns dias até que ela aprendesse a descer a escada.

Aquele chorinho de filhote mexia com nossos corações derretidos, e quando ela finalmente aprendeu a descer as escadas, não teve jeito, foi embora conosco. Minha avó já tinha planejado absolutamente tudo!

O tempo foi passando, e eu, sempre pensando na Pig, mas cultivando um novo amor com Kika. A nanica foi crescendo e aprontando constantemente, destruindo suas casinhas, roendo portas, torrando a barriguinha no sol e sempre trazendo muita alegria para todos nós.

Tenho a pequena faz quase cinco anos. Cinco anos de pura felicidade, pois é como eu disse para minha mãe, ela tem o espírito da Pig. Ela faz coisas semelhantes, exceto o fato de que é mais apegada à minha mãe, mas me ama por demais. Ela é folgada, sobe na minha cama, me morde, rouba coisas da minha bolsa, é gorda e tem a barriga queimada de tanto sol. E essas coisas alegram meu coração imensamente, pois cada dia que passa, sinto a presença da Pig. Ainda choro de emoção, mas pelas boas lembranças vividas e pelo excelente presente que nos foi entregue por Deus.

Ela já possui alguns traços de pêlo branco, eu costumo dizer que ela tem uma “boca de leite”, e quando paro pra pensar em sua penugem branca, uma tristeza me bate no coração, com medo de perdê-la. Mas logo, a tristeza se vai, pois eu vivo o presente, o momento, nosso tempo juntas.

Sei que um dia, quando ela partir, vou ficar muito mal, afinal, ela é meu grande tesouro, meu pedaço de amor, mas sempre carregarei em mim, as doces lembranças vividas, as semelhanças de uma pequena para a outra.

Por isso, escrevo este conto, pois sinto que ambas merecem uma homenagem, um pouco da minha gratidão, pois ambas são muito importantes para mim. Apesar de ter a Kika ao meu lado, eu jamais substituo um amor por outro, ao contrário, é um novo amor que cresce a cada dia que passa.

Raquel M
Enviado por Raquel M em 10/04/2010
Código do texto: T2189357
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