BOÊMIO SERESTEIRO
“- Aqui neste mesmo lugar/neste mesmo lugar de nós dois/jamais eu podia pensar/que voltasse sozinho depois/o mesmo garçom se aproxima/parece que nada mudou/porém qualquer coisa não rima/com o tempo feliz que passou/e numa ironia cruel/alguém começou a cantar/um samba canção de Noel/que viu nosso amor terminar/só falta agora a porta se abrir/e ela ao lado de outro chegar/e por mim passar/sem olhar/só falta agora a porta se abrir/e ela ao lado de outro chegar/e por mim passar ...”
Linda letra, belíssima melodia, é um tremendo samba-canção que o primo Zé Rêgo, grande boêmio, seresteiro, emérito tocador de banjo, me pedia pra cantar nas janelas das moças suas fãs, nas noites de serenatas que fazíamos pra elas.
“- A gente briga/diz tanta coisa que não quer dizer/briga pensando que não vai sofrer/que não faz mal se tudo terminar/um belo dia/a gente sente que ficou sozinho/vem a vontade de chorar baixinho/vem o desejo triste de voltar/você se lembra/foi isso mesmo o que se deu comigo/eu tive orgulho e tenho por castigo/a vida inteira pra me arrepender/se eu soubesse/naquele dia o que sei agora/eu não seria esse rapaz que chora/eu não teria perdido você ...”
E este outro, então? Autoria de Dolores Duran, com letra e melodia igualmente maravilhosas, foi um samba-canção que embalou as dores de cotovelo de muitos jovens naqueles tempos de saudosa memória, época de boemia e muito romantismo. O primo Zé Rêgo, “Zezinho” para os íntimos, era a encarnação desse período. Aos sábados à noite, ele descia a Rua Botucatu em direção ao ponto final do bonde, na Rua Jacuí, na velha e tradicional Renascença, trajando seu terno de linho branco e se equilibrando em suas muletas. Sim, muletas, pois o "Zezinho" tivera um problema nas pernas, quando criança (hoje, sabidamente “paralisia infantil”) e não andava sem o auxílio das suas muletas. Mesmo assim, elas o levavam pra todo o lado, pra todos os lugares. Onde quer que fosse, onde o requisitassem pra tocar seu banjo, beber e cantar suas músicas apaixonadas, o "Zezinho" se fazia presente. Era muito querido.
Simpático, conquistador, ele namorava quase todas as moças do bairro, as quais se derretiam com o seu famoso “bico doce”, como o apelidou o Irineu, funcionário da sua oficina de lapidação de pedras semipreciosas, em razão da sua lábia pra cima do público feminino.
E assim foi vivendo até se casar com a Dinah, irmã do Santinho (meu amigo de fé), e ser pai dum punhado de filhos, moças e rapazes, a Patrícia, o Heleno, a Claudia, a Andréia e o Geraldo. Há bastante tempo o "Zezinho" partiu para os planos superiores, onde deve estar gozando as delícias do Paraíso Celestial e alegrando o pessoal de lá, com o som do seu banjo, seus sambas apaixonados e a devida anuência de São Pedro.
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B.Hte., 18/03/10