Juliana

Estou tentando montar alguma coisa legal para dizer na homenagem da Jú. Resolvi contar sobre o que aconteceu no dia dezenove de fevereiro de dois mil e nove. Estávamos na escola, para ser exata, estávamos no quarto horário. Apresentação do “trabalho” de filosofia.

- Então turma, agora vou chamar um por um e quero que vocês leiam suas descrições e características aqui na frente. Em um tom audível e leiam pausadamente. Juliana, você pode começar?

- Hmm, claro professora.

Juliana então caminhou até o quadro, parou em frente aos seus colegas de classe e disse:

- O texto se chama “Meu Modo”.

"Meu nome é Juliana Kelly. É, meu nome é lindo e eu sei disso(...)”

Todos riram e ela deu uma pausa, esperando silêncio.

"(...) Tenhho quinze anos e meço um e sessenta e oito de altura. Tenho muito medo do escuro, choro muito e sou bipolar. Não sei dizer, ou melhor, não consigo dizer 'te amo' porque, para mim, o amor é um sentimento muito grande, forte e seguro que ainda não construí por ninguém. Gosto de sair para lugares básicos, onde meus amigos estejam. Adoro rock, heavy metal, punk rock e bebidas bem variadas. Meu estado emocional e espiritual oscila muito e sou insegura. Não me apego muito à realidade e acho o mundo é apenas uma bola-de-gude que Deus guarda em uma gaveta, no seu escritório particular. Creio na existência Dele, mas prefiro me manter isenta de qualquer religião. Tenho vários sonhos: ser psicóloga, pediatra, lecionar inglês e ir à Las Vegas, gastar muito dinheiro nos cassinos. Meu maior sonho? Morrer em Paris, durante o inverno com uma boa xícara de chá ao meu lado, sem agonizar, apenas morrer em paz. Não ligo muito para os outros, sou individualista. Tenho uma ideologia que diz: Dizer te amo, sem ter tal sentimento, dizer te amo como se fosse bom dia.. isso é hipocrisia. Pior do que ser um político corrupto ou um assassino é fraudar o amor. E eu invejo mesmo, quem é hipócrita o suficiente para fazer isso. Sou chata, estúpida e grossa, sou apenas a Juliana que é indefinida, sou apenas a Juliana que você merece conhecer.”

Todos a aplaudiram por tamanha coragem e franqueza. E ela ficou cheia de si, cheia de sentimentos que elevaram sua estima, coisa que não acontecia à séculos.

- Nossa Juliana, parabéns. Não sabia que você escrevia tão bem.

- Ah professora, que nada. Nem escrevi direito, isso é só um rascunho. Quando digitar direitinho o texto, eu imprimo e mostro para a senhora. Ok?

- Estarei esperando ansiosamente. (Ela sorriu)

Claro que Juliana estava de saco cheio daquela baboseira e resolveu que nada seria melhor que sair da sala e ir fumar. Ela tinha apenas quinze anos e não se importava com as consequências de seus atos. Fumava pelo menos quatro cigarros por dia e ainda achava pouco. Você deve estar estranhando porque estou falando dela no passado. Na verdade, ela morreu. Morreu mês passado de câncer pulmonar, mas o cigarro não foi o verdadeiro culpado. Esse mês, no dia vinte e sete, um mês após sua morte, vamos fazer uma homenagem à ela. Achei que seria interessante, ao invés de dizer coisas lindas sobre a Jú, dizer quem ela realmente era. Ela era sim muito chata, mas era de longe, a pessoa que eu mais confiava. Ela sempre foi muito severa quanto aos sentimentos e assim os definia: “Gosto ou não godto. É meu ponto de equilíbrio, ser exata.” Eu a achava e ainda acho, incrível. Tinha lá seus defeitos, mas acho que era por isso que ela era tão diferente. Seus defeitos sobressaíam e as qualidades quase nunca se destacavam. Ela era bonita, morena de cabelos e olhos castanhos-escuros. Era magra, cabelos caídos pelos ombros e um sorriso que não pode ser descrito. Era muito nervosa e gritava muito. Tinha poucos amigos e muitos colegas. Sabia bem separar as coisas e não sentia necessidade de ficar com alguém, não via motivos para namorar ou ter qualquer relacionamento. A única vez, que havia gostado de alguém foi, de longe, a vez que mais sofreu. Também foi a única, ela não estava disposta a sofrer por ninguém. A gente já tinha uma história antiga, de anos de amizade e inimizade. Brigamos muito, ficamos também e depois, nos tornamos amigas inseparáveis. Eu nem consigo dizer mais nada porque fico triste de lembrar o quanto fui burra. Se hoje, ela estivesse aqui e eu pudesse dizer algo, seria: Jú, sei que você sofreu por gostar de mim e sei que a culpa foi minha, mas por favor, fica comigo. Eu te amo.

Pena que já é tarde de mais, tudo o que posso fazer agora é lamentar. Poderia ter ficado junto dela e tê-la feito fazer a quimioterapia, poderia ter sido sincera com meus sentimentos, poderia ter evitado tudo isso, mas fui fraca. E hoje pago um preço alto por isso. Juliana, quero que, aonde quer que esteja, você aceite minhas desculpas e saiba: Eu não sou hipócrita, não sou. Mas eu te amo.

Ju Druks
Enviado por Ju Druks em 15/03/2010
Reeditado em 30/04/2014
Código do texto: T2140625
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