Polaco da Barreirinha pra lá da Caximba.
Era um menino, desses que em Curitiba se costuma chamar de piá. O moleque, guri, garoto, grumete, curumim, enfim, a criança ou adolescente do sexo masculino aqui recebe essa denominação peculiar.
Pois bem, o piá tinha os cabelos claros. Não louros, mas cor de caramelo, diferentes dos irmãos, que tinham cabelos pretos. Por conta disso era chamado de 'polaco'. A pele clara ajudava a justificar o apelido que, de per si, não o incomodava. Mas os irmãos e amigos não o deixariam na tranquilidade de viver sem ser molestado com troças. Quando queriam aborrecê-lo diziam: 'Polaco da Barreirinha, quando peida sai farinha'. Era o que bastava para que o piá ficasse louco e quisesse bater em todos. Claro que não podia com os irmãos mais velhos e seus amigos grandalhões, mas todos gostavam de vê-lo nervoso, enfrentando adversários que não conseguiria vencer. Um dia a escola organizou uma excursão ao Parque da Barreirinha, que era o local de passeio dos estudantes, pois não havia, ainda, o Parque Barigui, nem o Tingui, Tanguá, Ópera de Arame ou Jardim Botânico. No parque da Barreirinha havia o horto-florestal, que era o criatório de mudas para as árvores que hoje enfeitam a cidade. Que belo passeio fez o piá, que não viu nenhum polaco na Barreirinha. Foi preciso que crescesse, que seus cabelos escurecessem e que seu apelido fosse esquecido para que aprendesse que aquele bairro era de colonização predominantemente polonesa - assim como em Santa Felicidade era italiana -, que por ali circulavam com suas carroças, plantavam milho e batata. Só não conseguiu saber se era verdadeiro o versinho maldoso que falava da flatulância dos imigrantes.
Quando criança, o piá, o polaco que nunca morou na Barreirinha, também ouvia dizer que um lugar muito longe ficava 'pra lá da Caximba'. Parecia uma expressão que significava grande distância, perto de 'onde o diabo perdeu as botas'. Cresceu se referindo ao termo, sem saber que a Caximba é um dos setenta e cinco bairros de Curitiba, localizado ao sul da cidade. Hoje um dos temas mais discutidos é o fim do aterro sanitário daquele bairro, que já não suporta o despejo diário de milhares de toneladas de lixo. A Caximba, que era tão longe, foi alcançada pelo crescimento da cidade e, hoje, 'pra lá da Caximba' tem as cavas do rio Iguaçu e, um pouco mais 'pra lá', o município de Fazenda Rio Grande, que antes era distrito de Mandirituba. Os administradores públicos do passado devem ter sido piás curitibanos que imaginaram que a Caximba era, realmente, o fim do mundo. Por isso fizeram ali o depósito de lixo.
E assim cresceu o piá, aprendendo a conhecer e amar a cidade-sorriso, que agora completa 317 anos e tem muitas histórias para contar.
P.S.: Esta crônica integra o livro `CURITIBA - 317 anos de história, tradição e identidade´ do Instituto Memória, a ser lançado no dia 31 de março de 2010.
Era um menino, desses que em Curitiba se costuma chamar de piá. O moleque, guri, garoto, grumete, curumim, enfim, a criança ou adolescente do sexo masculino aqui recebe essa denominação peculiar.
Pois bem, o piá tinha os cabelos claros. Não louros, mas cor de caramelo, diferentes dos irmãos, que tinham cabelos pretos. Por conta disso era chamado de 'polaco'. A pele clara ajudava a justificar o apelido que, de per si, não o incomodava. Mas os irmãos e amigos não o deixariam na tranquilidade de viver sem ser molestado com troças. Quando queriam aborrecê-lo diziam: 'Polaco da Barreirinha, quando peida sai farinha'. Era o que bastava para que o piá ficasse louco e quisesse bater em todos. Claro que não podia com os irmãos mais velhos e seus amigos grandalhões, mas todos gostavam de vê-lo nervoso, enfrentando adversários que não conseguiria vencer. Um dia a escola organizou uma excursão ao Parque da Barreirinha, que era o local de passeio dos estudantes, pois não havia, ainda, o Parque Barigui, nem o Tingui, Tanguá, Ópera de Arame ou Jardim Botânico. No parque da Barreirinha havia o horto-florestal, que era o criatório de mudas para as árvores que hoje enfeitam a cidade. Que belo passeio fez o piá, que não viu nenhum polaco na Barreirinha. Foi preciso que crescesse, que seus cabelos escurecessem e que seu apelido fosse esquecido para que aprendesse que aquele bairro era de colonização predominantemente polonesa - assim como em Santa Felicidade era italiana -, que por ali circulavam com suas carroças, plantavam milho e batata. Só não conseguiu saber se era verdadeiro o versinho maldoso que falava da flatulância dos imigrantes.
Quando criança, o piá, o polaco que nunca morou na Barreirinha, também ouvia dizer que um lugar muito longe ficava 'pra lá da Caximba'. Parecia uma expressão que significava grande distância, perto de 'onde o diabo perdeu as botas'. Cresceu se referindo ao termo, sem saber que a Caximba é um dos setenta e cinco bairros de Curitiba, localizado ao sul da cidade. Hoje um dos temas mais discutidos é o fim do aterro sanitário daquele bairro, que já não suporta o despejo diário de milhares de toneladas de lixo. A Caximba, que era tão longe, foi alcançada pelo crescimento da cidade e, hoje, 'pra lá da Caximba' tem as cavas do rio Iguaçu e, um pouco mais 'pra lá', o município de Fazenda Rio Grande, que antes era distrito de Mandirituba. Os administradores públicos do passado devem ter sido piás curitibanos que imaginaram que a Caximba era, realmente, o fim do mundo. Por isso fizeram ali o depósito de lixo.
E assim cresceu o piá, aprendendo a conhecer e amar a cidade-sorriso, que agora completa 317 anos e tem muitas histórias para contar.
P.S.: Esta crônica integra o livro `CURITIBA - 317 anos de história, tradição e identidade´ do Instituto Memória, a ser lançado no dia 31 de março de 2010.