A Igor Reis Reyner - 38 -
Estudar na Gralha Azul
Num mundo moderno, ou pós-moderno, cheio de abismos. Em que as pessoas não vêem mais nas outras um espelho e sim um estranho. Em que a vontade de tempo para viver se tornou uma insaciável fome por tempo para produzir. Em que a cumplicidade das pessoas que se apoiavam para descobrir o segredo do mundo e da vida se transforma numa feroz disputa por espaços, seja no mercado de trabalho, seja no mercado dos relacionamentos humanos, seja no mercado do sucesso, seja no mercado da educação ou no mercadinho da esquina que já não se permite mais confiar nos antigos clientes abolindo assim as cadernetas. Eu vejo que estudar na Gralha Azul foi no mínimo inusitado. Foi lixar mesa e consertar as próprias cadeiras, ao invés de fazer simulados pré-vestibulares. Foi servir lanches para os colegas e comer com eles o mesmo lanche antes de decorar alguma fórmula matemática mágica. Foi conversar com os professores sentados na mesma mesa que você ,como se conversa com um amigo de um assunto qualquer aparentemente sem importância, tipo amizade, amor, ansiedades, medos, essas coisas que não preenchem o gabarito de nenhuma prova, mas que quando você já estiver formado, trabalhando ou mesmo aposentado, elas ainda estarão por perto dando os mais variados tons à sua vida. Foi acampar entre pais, professores e colegas e aprender na marra a necessidade da divisão de tarefas, do respeito ao limite do outro, do apoio quando alguém sente que seu desafio pesa demais. Foi decidir em assembléia de alunos e professores se dois alunos brigões deveriam ou não ser punidos, qual o sentido da punição se é que há algum sentido, qual o limite tolerável da violência. Foi descobrir que essa coisa de educação é algo maior do que encher de terra/conhecimento um vaso vazio qualquer.
Educar, me parece, é um compartilhar sentido, é um buscar enxergar, buscar ouvir, buscar sentir com o corpo, meu e do outro, e com o intelecto, que há um algo além de mim e que também há algo em mim que preenche um mundo cada vez mais vazio. E nesse processo de passear entre abismos, a educação torna-se um construir pontes e um constante demolir barreiras - que criamos para nós mesmos - e aproximar distâncias - que criamos para os outros. Educar é o desafio de lidar com a violência do pensar e dos limites e o encanto do constante se fazer. Educar não responde muitas questões, mas faz enxergar o brilho que há no questionamento. Educar não é solução, é desafio. Mas a vida também não é solução, afinal, a solução para a vida não é a morte? A vida é um constante desafio, desafiar-se a si e aos outros, ser desafiado e por isso diz Guimarães Rosa, "viver é muito perigoso", mas é também encantador.
Estudar na Gralha Azul certamente não foi saber que se tinha a escola ou os professores com o maior domínio do conhecimento (me pergunto sempre o que é o conhecimento). Mas saber que se estava numa escola com professores que tinham maior paixão pela vida e pelas pessoas, que viam nos alunos, não os seres sem luz, mas colegas de caminhada a quem se busca acompanhar com cumplicidade e carinho. Hoje, na universidade, me considero bem sucedido. Sou capaz de conversar com professores como com qualquer pessoa, sem me diminuir, sem me aumentar. Sou capaz de defender minhas ideias sem o medo de falhar, afinal, a falha é parte da humanidade. Sou capaz de defendê-las sem o grito, apenas com respeito e reflexão. Sou capaz de me expor e reconher que tenho força e fraqueza, quase na mesma medida e que não há perfeição naquilo que faço, mas carinho, seriedade e autonomia. Sou capaz de me preocupar com o que acontece ao meu lado e consciente do meu meio, agir para mudá-lo. E mais, sou capaz de nutrir uma eterna vontade de crescer, de me expandir.
O que aprendi na Gralha? Talvez o mesmo que aqueles que viram na gralha azul um símbolo. A ter no conhecimento desinteressado e compartilhado a grande força de manutenção de um meio saudável, humano e bonito. A pensar no conhecimento como mais que conteúdo, como forma, como sensações, como sentimento e caráter. Aprendi a ser gente, ou como diria Guimarães novamente, a ser "homem humano".
Igor Reis Reyner em março de 2010
Esse é meu ex-aluno , hoje pianista formado pela UFMG.Seu depoimento me emociona e me confirma como educadora que sou.
Maria Neusa em março de 2010