Genitores

Às vezes assombra o fato de que o tempo se esvai e me perderei antes de demonstrar àqueles a quem mais amo o que a proximidade excessiva me impediu. É porque tive consciência de mim e precisei agir de modo mais áspero ou distante a fim de proteger o grau de independência que um indivíduo é capaz de possuir. Os meus silêncios e as minhas pequenas agressividades serviam então como barreira à interferência excessiva que operaria sobre minha composição. Precisava manter-me longe das amarras umbilicais que nos uniam para que meus olhos transpusessem-vos pouco a pouco, para que meu ser tivesse a liberdade íntima de dirigir-se para fora de si.

Desse modo, cresci sendo o que não esperavam. Guardei comigo as impressões diversas que poderiam escandalizar vosso pensamento sobre as coisas. Agi nas sombras e no silêncio contrariando as expectativas sobre meu futuro. Eu não as queria, mantinha-me tanto quanto possível ignorante delas porque as expectativas sobre nós pesam demais. Não, não esperem de mim coisa alguma, eu pensava. Que ninguém espere de mim que seja, pois não serei. A fuga que empreendia para dentro de mim e a reação de uma flor que se fecha ao ser tocada era o lado oposto ao da observação atenta de vós. De tudo o que me compõe, ao fim, sois a parte mais essencial e bela.

Foi convosco que aprendi o amor sem precedentes e foi convosco que percebi o movimento que existe entre mim e os outros, que passei a ver aquilo que nos separa e distingue e aquilo que nos une. Entendi vossa humanidade e admirei-vos. Embora não seja extensão nem derivação vossa, em tudo o que de mim sai, nas minhas expressões, há também vossa existência.

De toda contrariedade e de todo silêncio emerge inevitavelmente o amor surgido não sei de onde que me compõe e irradia-se em chamas que percebereis também vossas, um dia.

Clarissa de Baumont
Enviado por Clarissa de Baumont em 04/03/2010
Reeditado em 04/03/2010
Código do texto: T2119978
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