SANTIAGO DO BOQUEIRÃO, TERRA DOS POETAS

Marilene Pacheco Teubner

Recebi o convite da casa do Poeta de Santiago/RS, no dia 05 de janeiro de 2010. Estava entre os agraciados com a oportunidade de participar do II Encontro de Escritores do MERCOSUL e do I Fórum de Literatura da América Latina, de 22 a 24 de janeiro. Esperava-se a presença de argentinos, uruguaios, paraguaios e brasileiros de todos os cantos para curtir a oralidade e a palavra escrita.

A primeira reação ao ler o convite foi: não poderei ir. Menos de 15 dias para levantar verbas e providenciar passagem para um lugar tão distante de minha realidade. Dias depois, aquele convite permanecia vivo em minha mente. E eu pensava: por que Santiago, por que quero ir para lá? Num impulso faltando apenas uma semana decidi que eu deveria ir e enfrentar todos os obstáculos. Pedi apoio à Prefeitura de Urânia/SP, onde moro, e arrecadei com meus irmãos e através de rifas o suficiente para completar o dinheiro das passagens. Eu tinha que ir: estava decidida.

Depois de alguns imprevistos e mais de 20 horas de viagem chego a Santiago, a mais de 3.000 km de minha pequena Urânia, cansada e intrigada com minha decisão.

Primeiro dia: nada mais inspirador, do que começar o evento alimentando a alma com o som de violinos e conhecer o jornal “Letras Santiaguenses”, que há 14 anos está em circulação, levando aos leitores páginas e mais paginas de poemas. Giovani Pasini, presidente da Casa do Poeta dá inicio às atividades da noite e apresenta sua nova diretoria: jovens compromissados com a literatura, visivelmente exposta na emocionante interpretação de Marcio Brasil, no texto “ Raiz do Pampa”, de Caio Fernando Abreu, escritor de dimensão nacional nascido naquela Santiago, o “Passo da Guanxuma” de sua infância, deixando bem claro que é necessário buscar nas próprias raízes a energia para superar limitações.

Naquele momento entendi o porquê de estar em Santiago.

Fernanda Ramos, uma linda gauchinha de cerca de dez anos, entra em trajes típicos, mostrando talento e amor por sua terra, através da execução de uma peça de dança regional. Giovani é pura emoção, e segue com sua proposta de intercâmbio cultural. A noite é encerrada com a conferência de Esteban Abad, jornalista e poeta de Posadas, cidade de quatrocentos mil habitantes, localizada na província argentina de Missiones. Ele havia se feito presente na primeira edição do Encontro de Escritores do MERCOSUL, ocorrido lá em Santiago, em 1995.

Segundo dia de fórum:

Eduardo Galeano fala em nome do CILAM – Centro de Integração Latino-Americano, agradecendo a presença de todos e acentuando a importância cultural do I Fórum Latino-Americano de Literatura.

A mulher-poeta, em evidência no evento, traz ao Fórum a psicóloga Nilza Terezinha Capiem de Figueiredo um tema emocionante, através do livro “Cooperativas Sociais: alternativas para inserção”. Sua luta é pela inserção dos excluídos sociais. Demonstra capacidade e limitações dos agentes, criando oportunidades através do cooperativismo.

A menina Ellen Barbosa Ramos mostra que não há idade para ser poeta: ela criou seus primeiros versos aos oito anos, e, aos 14, lança seu primeiro livro “Pra não te esquecer, meu Rio Grande”. Inspirada na “Guerra dos Farrapos”, episódio ocorrido de 1835/45, descreve em versos a luta revolucionária dos heróis de sua terra em busca das atenções do governo imperial.

Brígido Bogado, escritor paraguaio, com voz calma e pausada, inicia sua palestra no idioma guarani, homenageando assim seus antepassados.

Nenhum som a mais em todo o auditório: apenas ele com seu olhar meigo, verdadeiro, de uma transparência envolvente transmitindo a importância da alma, do espiritual dos povos indígenas, na região dos povos paraguaios.

Sua mensagem final é para que as pessoas aprendam (com o seu povo) a descobrir a simplicidade do viver que envolve “amor, alma e coração”, equilibrando e dando harmonia à natureza.

Término do depoimento, e pausa após a palestra. Todos saem do auditório querendo uma cópia do depoimento de Bogado, que trouxera sua palestra manuscrita. O período da tarde é aberto por uma apresentação musical de MPB atual: um jovem cantor mostra a sua arte...

Em seguida, o ativista cultural e poeta Joaquim Moncks, coordenador Executivo da POEBRAS – Casa do Poeta Brasileiro, fala do povo gaúcho, suas lutas e tradições, de sua paixão pela poesia, suas andanças na luta pelo associativismo cultural e poético, lembrando aos colegas escritores a importância de se ler sempre, mais e mais. E deixa claro que todos os poetas são condenados a pensar: que o poeta nasce poeta e o escritor se faz. A Poesia é vertente dos vocacionados para o espiritual, e fala por metáforas, linguagem em que ressalta o sentido conotativo.

Miguel Angel Ferreira, argentino do grupo de Posadas, apresenta seu livro e diz que “Não se deve escrever por escrever; a Poesia tem seu papel social.”

Aledir Bristot, professora, escritora, presidente da Casa do Poeta de Passo de Torres, em Santa Catarina, abre sua palestra ao lado de seu marido Valter Roxo, cantando a música que fez para homenagear a cidade de Santiago levando o público ao delírio. Em sua abordagem, fala do papel da mulher, das limitações e das diferenças entre homem e mulher, e a expressão poética diferenciada que deflui destas diferenças. Fala que é necessário se assumir e não ter vergonha de falar sozinha anotando o que vem à mente... É assim que nasce a criação poética, particularmente na alma feminina.

Novamente a mulher-poeta é referida, desta vez apresentada pelo vereador da cidade de Governador Virasoro, província de Corrientes, Argentina, que possui mais de sessenta mil habitantes. Gerardo nos fala que “não é o rio que nos separa e sim a ponte que une a todos os habitantes do Cone Sul da América”. Concede a palavra Celina Perez e Maria Del Carmen, as quais falam de um grupo de quatorze mulheres unidas pela arte da escrita, num “Taller Literario (Oficina Literária) que existe há mais de vinte anos, e que se encontra uma vez por semana para realizar atividades culturais, principalmente produzir textos criativos e buscando a originalidade, procurando demonstrar, além de ocupação reiterada, a garra e determinação da mulher argentina, através da discussão de sua própria história.

Aledir Bristot novamente é convidada a se apresentar e, com a canção italiana “Mérica, mérica, mérica”, leva Pasini às lagrimas e, junto com ele, a maioria dos presentes. Giovani, ainda emocionado, agradece e explica o motivo das lágrimas: ... era a música que seu pai, falecido recentemente, mais gostava de cantar. Ao som das palmas e comoção geral, Giovani se retira por alguns momentos, voltando em seguida para encerrar o segundo dia do fórum, convidando os participantes para um jantar de confraternização.

Antes do jantar, um passeio cultural nos mostra a cidade, sua topografia, prédios históricos, etc. Desta vez conheço a “Rua dos Poetas”, prefeitura, centro da cidade, museu e o prédio histórico da Estação Férrea, onde será instalada a “Casa do Conhecimento”. Viajo na história de Santiago na voz de Rodrigo Neres, o jovem diretor de cultura da municipalidade, e nem percebo o avançado da hora. O final do dia se escoara num rio de conhecimentos...

No Hotel Selton, apresso o passo num banho rápido, arrumo a mala, deixo tudo pronto, pois sei que não tardaria a hora de partir: viajaria no ônibus da meia-noite, direto à capital dos gaúchos.

No jantar na Churrascaria Gaúcha, prosa e mais prosa. Entrelaçam-se os afetos. Entre tantos novos amigos me sinto enriquecida. Observo um a um, procurando gravar em minha mente seus sorrisos, o coração na boca. Com o peito apertado, não pude deixar de me emocionar com os versos de Joaquim Moncks ditos à mesa, e o carinho de todos os presentes. O pessoal argentino de Governador Virasoro e Posadas curtia os seus irmãos brasileiros, entre o churrasco e o vinho. Os idiomas se entrelaçavam pela força do amor e da criação artística.

E chegada a hora, deixo Santiago lamentando não ficar para o encerramento do fórum, na manhã de domingo.

Em Porto Alegre sou recebida por Andréa Jerônimo, titular na Academia Literária Gaúcha – ALGA, Cecília Bothona, membro da Casa do Poeta Rio-Grandense. Sem esquecer a “Malhada”, a gatinha amorosa de Andréa. Passeio de algumas horas durante o lindo domingo. E fecho minha visita ao Rio Grande do Sul, voltando energizada com a hospitalidade e bonomia do povo gaúcho.

Das raízes do Cone Sul americano, de Santiago do Boqueirão, trago para a amada Urânia exemplos de como se iniciar movimentos culturais que culminem na instalação de uma Casa de Cultura.

É necessário amor pelas tradições, vontade de conservar a história, determinação de toda a equipe, cooperação da população, não temendo a existência de “pedras do caminho”, como um dia disse o poeta Drummond de Andrade.

Sou uma forasteira sonhadora, que veio com suas ilusões de fazer o povo ler e entender de sua trajetória através da leitura, e que trouxe Urânia e o seu povo simples dentro de si, com destino ao Rio Grande, para algumas horas de reflexão e de entretenimento. E que acredita que a Casa de Cultura, em Urânia, São Paulo, será passível de instalação em breves dias, desde que haja vontade política de sua administração municipal.

Vim me preparar para ajudar a fazer com que o futuro traga esperanças e perspectivas de crescimento para o povo da terra onde vivo com a minha família. Faço, apenas, a minha parte.