Porque esta Pena Branca?
Esta é a crônica que eu não queria ter escrito; mesmo sabendo que todo mundo tem um dia certo pra morrer, eu sempre esperei que algumas pessoas durassem pra sempre e sei que este pensamento é egoísta, interesseiro e totalmente individualista! Com tantas asas cheias de penas podres, alçando vôos tão altos, porque logo o Pena Branca teve que nos deixar? Porque esta Pena?
Meus heróis já morreram; meus entes mais queridos também os acompanharam; naquele mesmo carro de boi que gemeu no estradão; aquele mesmo carro de boi que com suas grandes rodas fizeram profundas marcas no chão. Foram-se junto com o carro de boi, que levantou muita poeira, poeira vermelha... Poeira! E como já dizia o próprio Pena Branca, “sei que quando eu morrer meu corpo irá para o chão, se transformar em poeira...!
Quando ainda cantavam juntos, os irmãos José Ramiro Sobrinho e Ranulfo Ramiro da Silva jamais foram simplesmente uma dupla de negros como vozes elegantes e singelas; nunca deram sorte na vida, caso contrário teria ganhado muito dinheiro. Nasceram José e Ranulfo Ramiro, chegaram a ser Peroba e Jatobá, mas a fama lhes chegou com o nome de Pena Branca e Xavantinho após muitos anos de estrada e perseverança.
Quis Deus que eles encontrassem pelo mesmo caminho gente do quilate de Milton Nascimento, Renato Teixeira, Almir Sater, Sérgio Reis, dentre tantos e depois disso, não lhes cabiam mais o controle daquilo que já nasceram como eles, o dom pacificador da música mais do que popular brasileira, a música de raiz.
Também quis Deus que a pena branca fosse viver sozinho, sem uma asa, sem seu Xavantinho, morto há mais de 10 anos; ao contrário das apostas naturais, Pena Branca cresceu, rejuvenesceu a voz e criou coragem para permanecer naquela mesma estrada que lhe foi confiada por oblata e deu certo...
Tudo que Pena Branca cantava lembrava-lhe a vida de menino da roça, que aprendera cedo a trabalhar duro para ajudar a família na batalha diária do sustento; entre o raro intervalo da roça e dos assuntos rurais, lá estava toda a família reunida para uma boa roda de viola, cânticos e danças tradicionais; numa entrevista a Rede Educativa, Pena Branca citou que nunca teve desgosto e jamais passou fome; disse ter tido uma vida dura, mas ela a ensinou a dar valor às coisas e isso sempre lhe trouxe felicidade, principalmente quando ele podia tocar e cantar alguma moda de viola!
Em 1980, na época dos grandes festivais de música, a dupla de irmãos inscreveu uma música e esta chegou a final; naquele mesmo ano eles gravaram seu primeiro LP e logo no ano seguinte, 1981, gravaram Cio da Terra com Milton Nascimento e em seguida foram parar ao lado do tão espetacular quanto, Rolando Boldrin no programa Som Brasil. Era o que eles mais queriam e depois daqueles eventos, eles nunca mais foram os mesmos.
Ao todo foram dez discos com a dupla e três somente com Pena Branca; o último em 2008 e segundo a viúva de Pena Branca, Maria Ramiro, ele estava se preparando para a gravação de mais um trabalho quando o “carro de boi de rodas grandes” veio lhe buscar na noite de 8 de fevereiro de 2010 após 71 anos de estrada de barro vermelho e como também já dizia Boldrin, agora são ele, a viola e Deus...!
Prêmios foram muitos, inclusive um Grammy Latino, mas eu, repetindo meu egoísmo, preferia que eles não tivessem ganhado nada, nenhum troféu ou reconhecimento, em troca de suas presenças entre nós; eu queria muito que estas vozes continuassem a cantar aqui neste plano e por mais que eu sinta falta de Xavantinho, da mesma forma que sinto falta de Lennon, Helena Meireles, Luiz Gonzaga, eu queria muito ainda ouvir Pena Branca, o sujeito singelo que cantava com a alma e tocava a viola com o coração.
O sucesso de Pena Branca quebrou fronteiras e chegou aos Estados Unidos; sua música já não mais cabia apenas nas fazendas há anos, ela tomou o rumo das grandes cidades e muitos locais que antes rotulava como música caipira, após ouvirem gente como ele, rebatizou aquela música bucólica como música popular brasileira.
Ouvir Pena Branca e Xavantinho, para mim é lembrar a Fazenda Bom Sucesso, lá no sertão da Bahia, e de meu velho avô que morreu há dois anos e faria neste próximo dia 28 100 anos; ouvir estas pérolas na voz de Pena Branca, como “Cuitelinho”, que significa beija flor, é o mesmo que voltar no tempo e recordar dos meus tempos de criança quando eu passava as férias junto de meus tios, avós, primos, vendo o gado berrarem e o leite quente vindo do curral às seis da manhã. Ouvir Pena Branca em “Calix Bento”, “Cio da Terra” ou em “Romaria” é o mesmo que acompanhar uma linha mais tênue da própria história do Brasil e dos meus tempos de militância...
Nem sempre querer é poder; eu quis muito conhecer três pessoas deste meio musical especial; Luiz Gonzaga eu o assisti num show dois anos antes dele morrer; Helena Meireles, a maior artista mulher do Brasil, tocadora de viola muito melhor e mais inteligente do que muitos marmanjos, esta eu beijei-lhe as mãos no Mato Grosso, mas Pena Branca eu só poderei encontrar no céu, se assim a história permitir.
O homem virará poeira e será parte daquele estradão de terra vermelha, mas a voz e a biografia, estas viverão pela eternidade, porque coisa boa não morre jamais...
Boa noite meu pai, salve a sua banda! Que terreiro é esse? Bota fogo na fundanga!
Minha casa é uma tenda, sou filho de mãe Maria! Saravá meu preto velho! Salve a senhora da guia! Rainha mãe Iemanjá, abençoe o meu cantar e me tire dessa agonia.
São Jorge é bom cavaleiro e guerreiro do espaço, não deixe este soldado ensar em triste fracasso. O céu mistura com a terra e o mundo se acaba em guerra e a viola não sai dos meus braços.
Mais quem é filho de tenda não se sente fracassado, ao contrário meu amigo, eu sô bastante estimado. Junta feitiço e pagode e comigo ninguém pode, o meu santo é batizado! (letra de “Que terreiro é esse”)
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Carlos Henrique Mascarenhas Pires
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