MINHA MÃE FLAVIANA
Morena cor de jambo, cabelos negros como as asas da graúna, olhos castanhos e um porte de rainha, era assim minha saudosa mãe Flaviana! ...
Única filha da família de cinco irmãos (Gestal, Floriano, Nazio e Olavo, os homens), mãe foi criada até quase os dez anos com os pais, Maria Felix (Vó Fela) e Antonio, na aprazível localidade do Cedro, distrito de Paraopeba, quando então partiu pra Belo Horizonte, após a morte por afogamento do seu pai, durante um convescote realizado às margens do Rio Paraopeba. Vó Fela, viúva, sustentou o restante dos filhos graças às suas habilidades de exímia costureira.
Mãe foi interna do extinto Orfanato Santo Antonio, em Belô, onde cumpriu dura vida sob o comando das irmãs franciscanas do Sagrado Coração de Jesus, que dirigiam o internato, recebendo educação escolar, religiosa, aulas de corte e costura e economia doméstica, preparando-se com esmero pra ser boa dona de casa e mãe de família, como eram as praxes naquele tempo. Saiu do orfanato ao completar dezoito anos, cheia de predicados mas sem a menor experiência de vida, e voltou a morar com a mãe e os irmãos no Cedro querido.
Além das prendas, minha mãe desenvolveu o canto (tinha voz de soprano) e participava do coral da igreja, aos domingos, no Cedro, onde conheceu meu pai tocando clarineta, o jovem Constantino, o qual viera de Januária, contratado pra jogar futebol no time da fábrica de tecidos, o Cedro Esporte Clube, com emprego arranjado na Cia. Cedro e Cachoeira e, de quebra, chamado pra tocar na famosa banda Euterpe Santa Luzia, regida pelo mastro Zebedeu.
Nesses domingos, nas missas celebradas pelo Padre Chaves, os olhares dos dois jovens se cruzavam nas exibições do coral na nave, ao som da “Ave Maria” de Schubert e seus corações batiam descompassados. O namoro começou tímido mas o sentimento era forte, insopitável, tomando conta das suas almas e firmando um compromisso.
O tempo passou, o moço forasteiro foi fazendo seu nome na praça, sua fama cresceu também como jogador de futebol, as amizades aumentavam e resolveram, então, marcar o casamento.
Com pouco mais de um ano de casados, eu nasci (o primogênito) e aí meu pai perdeu o emprego na fábrica e enfrentou a primeira crise em sua vida como pai de família, mas não se rendeu:- ainda de aviso prévio, foi a Belo Horizonte se inscrever como candidato a emprego na Cia. Renascença Industrial, uma moderna fábrica de tecidos que acabara de se instalar na região nordeste daquela capital e buscava mão de obra para formar seus quadros. Meu velho, agora com experiência, foi selecionado e, algum tempo depois, arribou-se de mala e cuia do Cedro pra Belô, iniciando um novo ciclo em suas vidas.
No bairro da Renascença repetiu-se a história, ele se destacou no trabalho, ganhou cargo de chefia no Almoxarifado Geral da companhia, sobressaiu-se nos treinos do time de futebol da fábrica e ganhou notoriedade, conquistando admiração e respeito de todos.
E os filhos foram surgindo:- Aécio, Rubinho, Silvinho, Toninho, Maria Inez, Marilene, José Afonso, Constantino e Mariza, a caçula.
A imagem que trago de minha mãe é única:- ela com um filho no ventre, grávida, e outro escanchado nas “cadeiras”, usando bico e choramingando, quase sempre. Mulher de fibra incomparável, guerreira, verdadeira “dona de casa”, cuidando de tudo e de todos sem ajuda de ninguém, exceto dos filhos mais velhos (eu ajudava na limpeza da casa e na lavação dos pratos e panelas, o Aécio tomando conta dos irmãos menores, dando mamadeira, trocando fraldas, etc. E ainda saíamos pros matos, catando esterco de boi e de cavalo pra vender. Brava toda vida, ela não alisava não. Metia o cacete quando algum de nós pintava o sete (e era quase sempre), batia sem dó nem piedade. Mas fazia caridade junto aos menos favorecidos, ajudando muita gente. Fomos levando assim nossa vidinha, numa agradável mistura de risos e lágrimas, grandes alegrias e pequenas tristezas.
Dona Flaviana, além de enérgica, era rígida na educação dos filhos, nos preceitos religiosos e preocupada com o nosso futuro (meu pai dizia que ela nos queria “doutores”, quando ele precisava mesmo era de “braços pra ajudá-lo na fábrica, aumentando assim a renda familiar”). Queria que todos estudássemos, a começar pela datilografia. Não é à toa que lá em casa eu e todos os irmãos somos datilógrafos formados, o que era bem valorizado naquele tempo e isso, mais tarde, nos abriu portas para empregos em escritórios. Fizemos depois o grupo e o ginásio e a maior parte chegou, inclusive, aos cursos superiores, graças à força e insistência da nossa mãe.
Os filhos começaram a casar-se, primeiro eu, depois o Aécio e os outros foram se animando. E minha mãe sempre firme, orientando, aconselhando, “chegando junto” se preciso fosse. Os netos começaram a nascer, filhos meus, do Aécio, do Rubinho, do Silvinho, da Maria Inez, do Zé Afonso e da Mariza. Só Marilene (China) ficou pra “titia”.
Minha mãe e meu pai os conheceram, mas infelizmente não conheceram os filhos dos nossos filhos, seus bisnetos, pois viajaram antes para os planos celestiais, encerrando a sua missão aqui na terra.
Obrigado por tudo, minha mãe, obrigado por tudo, meu pai! Que Deus os tenha na santa paz, hoje, agora e sempre! ...
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B.Hte., 09/02/10