CAMINHOS QUE SE CRUZAM

Um domingo comum:- cedo, a reunião costumeira no “Ateneu”, em meio aos debates já familiares; ao longo do dia alguns estudos sobre literatura, num bate-papo proveitoso, comentando a mentalidade (ruim, diga-se de passagem) do brasileiro e a seguir o almoço, com um apetite devorador.

Depois um repouso merecido, ouvindo alguns discos seletos, boa música brasileira, um presente para os ouvidos, um recreio para o espírito. Veio a tarde (missa na Matriz, como de hábito) e com ela a noite. Ah, sim, a noite! Eterna musa inspiradora da poesia do amor! Aliás, uma noite bonita, a lua brilhando pálida, o céu borrifado de estrelas fulgurantes.

Em casa, aprontou-se. Iria à hora-dançante no clube do seu bairro, era notório. Afinal, uma dança de quando em vez não faz mal a ninguém, ora essa! Imaginou logo o conjunto tocando suave, o ambiente à meia luz, convidativo, uma garota enlaçada nos braços, sua boca a roçar-lhe as faces aveludadas, sentindo a delicada fragrância que de seu corpo emanava. Conversariam a meio tom, deslizariam pelo salão, leves, esquecidos de tudo, pupilas cintilantes ...

Interrompeu o sonho passageiro, mirou-se uma vez mais no espelho e saiu com um pressentimento bom, assobiando música brejeira. Um estudante que trabalha deve obrigatoriamente divertir-se assim de quando em quando. Mas ...

Aí está o diabo do “mas”, sempre aborrecido, deixando um vazio, uma dúvida, uma pedra no caminho da gente. E se não desse certo? Ultimamente andava meio desiludido com relação ao amor. Estava descrente mesmo, sabem? Nada de certo lhe acontecia!

Procurava u’a moça de pensamentos semelhantes aos seus, de suas idéias, senhora de um nível intelectual elevado, dona de reflexões próprias. E, francamente, estava difícil encontrá-la.

Assim, entrou no clube e logo de início aconteceu uma dessas agradáveis coincidências:- vislumbrou alguém que de há muito se tornara um admirador, sentada numa das mesas laterais, respectivamente acompanhada de uma senhora e de outra jovem. Quem sabe? Mas, não. Também não daria certo. Tristemente lembrou-se de que quando a conheceu, num dos bailes da agremiação, conversaram longamente e ela (sem o desejar, está claro) feriu-o gravemente em sua vaidade máscula ao dizer-lhe que tinha um namorado. Desde então raramente a via. E ela agora estava ali, a poucos passos de sua pessoa, com aquela mesma simpatia que o deixara, há tempos, cativo.

“- Ora, rapaz, coragem! Vá lá, tire a moça para dançar, converse com ela, verifique por si próprio!”

Era a voz da sua consciência e também do ... coração. E ele foi, e dançou com a garota, sentindo de perto aquela criaturinha bonita, seu “ doce de coco” predileto no bairro.

E dançou, e conversou, e, nesse dia, acompanhou-a até a sua residência ...

Agora, satisfeito, seu rosto exibe de novo o sorriso largo de há muito desaparecido, escondido nas sombras do mais recôndito de sua alma adolescente. Aflora-se-lhe aos lábios, claro, confiante e desabrocha assustadoramente, inundando-lhe toda a face morena num riso sadio, prenúncio de alegria:- ele está feliz, muito feliz! ...

-o-o-o-o-o-

B.Hte., 29/03/59

RobertoRego
Enviado por RobertoRego em 08/01/2010
Código do texto: T2017839
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