PIVETE
Saboreava um chope na companhia dos amigos Vilaça e Belisário, em tarde brasiliana após duro expediente na “Sofrango”, contando potocas do nosso tempo, relembrando fatos de viagens, quando o Vilaça saiu com um caso que, segundo ele, merecia uma crônica minha.
Estava ele, há alguns anos atrás, à porta do Hotel Imperador aqui em Brasília, quando se acercou um garoto dos seus dez anos, caixa de engraxate às costas, e falou, humilde:-
“- Moço, quer engraxar?...”
Vilaça fitou o moleque, reparou na sua cabeça pelada e no estilingue pendurado ao pescoço. Sério, respondeu:-
“- Graxa não, mas se você acertar aquele poste ali com sua atiradeira eu lhe pago Cr$2,00...”
O moleque mirou o poste e veio com esta:-
“- Se o senhor me der Cr$4,00 eu quebro a lâmpada!...”
Meu amigo ficou pasmo e disse ao pequeno engraxate:-
“- A lâmpada não! O poste, o poste ...”
O moleque largou sua caixa, ajeitou seu estilingue, mirou e ... pimba! A pedrada fez o cano do poste zunir no meio da tarde. O garoto fitou seu desafiante, sorridente, e cobrou sua aposta:-
“- Meus Cr$2,00, moço.”
Nisso, chegou o porteiro do hotel e falou:-
“- Careca, o que fazes aqui? Sabe, moço, é o menino mais conhecido em toda Brasília. Conta ao homem porquê, Careca!” - E ele, o engraxate, sentado na caixa e contando um maço de notas miúdas, com as mãozinhas pretas de graxa e de tinta, principiou:-
“- Uma noite eu entrei com minha caixinha no Hotel Nacional. O dia foi ruim, eu quase não tinha faturado nada. Tava cheio de gente, parecia uma festa, sei lá. Vi uma dona de branco, cheia de jóias e bem vestida e pensei que ela queria engraxar seu sapato. Fui lá e perguntei à ela, mas a danada me deu um cocorote na cabeça. Doeu, fazendo até um galo, sabe?
Fiquei com muita raiva, saí por ali, olhando, até que ela começou a subir a escada. Aí então corri atrás dela e levantei, ligeiro, a saia dela, mostrando sua bunda grande que todo mundo viu lá do salão!...
Moço, o senhor não imagina o bode que deu! Daí a pouco encheu de guarda e todo mundo corria pra me pegar. Escondi, corri, mas terminaram me pegando. Aí me levaram pro juizado e o homem mandou raspar minha cabeça. Por isso estou de coco pelado e a turma só me chama de Careca ...”
Meu amigo executivo ria, feliz, com a aventura narrada pelo moleque. Relembrou, por instantes, seus tempos de garoto travesso também, fazendo estripulias pelo interior mineiro, em Crucilândia, sua terra natal. E ficou por ali, esquecido que aquela era sua primeira noite livre na capital do país, ainda desconhecida para ele.
O garoto levantou, pegou a caixeta, despediu-se e saiu, comecinho de noite, assobiando brejeiro um samba em voga, se não me engano “Pivete”, do Francis Hime ...
-o-o-o-o-o-
Brasilia, 09/1980
OBS:- escrito em homenagem ao amigo Geraldo Vilaça, após uns chopes junto com o Belico, no “KuoPin”, em Brasília/DF.