Natal pode começar em 25 de novembro?
Muluh telefonou, hoje cedo, para recordar aniversário de sua avó. Choramingava de saudade e pedia que abrisse meu correio eletrônico e colocasse aqui, no Recanto, sua mensagem.
Minha querida Ilram,
Faltava pouco para o Natal e, por isso, 25 de novembro espalhava pela casa e quintal aromas de preparação para as festas de final de ano, as quais, por sinal, iniciavam nesse dia. Abriam-se as primeiras compotas de figo , ameixa vermelha e pêssego amarelo, juntamente com conservas de pepino, couve-flor e cenoura . Havia a primeira fornada de doces de Natal, com seus salpiques coloridos sobre glacê branco. Lembra que conseguíamos, com certa dificuldade, colocar enfeites de pinheirinho , com aquelas estrelas tortas que recortáramos em dias de chuva, na mesa festiva.
Vovó, deves recordar, Ilram, nem tinha tempo para descansar em seu aniversário: preocupava-se com a carne recheada, com legumes, ovos e toques de toucinho; sanduíches enroladinhos com mistura de molho de tomate, temperinho verde e mostarda; potinhos de gelatina vermelha com creme inglês; garrafas de 'spritzbier' e gasosa; bolo grande de laranja; centro de mesa com flores colhidas em seu jardim.
E essas eram as coisas pequenas que ocupavam seu corpo. As grandes éramos nós, suas netas: final de ano escolar com provas e, para algumas, recuperações e 2ª época; como fazer de dois velhos vestidos, um novo, de festa, para cada uma de nós; e, principalmente, com a paz e harmonia que pedia a Deus que reinassem, pelo menos, durante Natal e Ano Novo.
Ilram, com certeza, podes buscar, em tua memória, as muitas vezes em que Vovó teve seu pedido atendido apenas parcialmente. Quem sabe, deveríamos ter feito, junto com ela, uma corrente de rezas, vocês e nós, para trazer o único presente que Vovó queria: PAZ. Quando chegava—sabes bem quem—tudo virava de pernas para o ar! Eram palavras duras, e feias, que—sabes bem quem—provocava.
Uma vez, nós duas, ficamos tão tristes e revoltadas que, à noitinha, num 25 de novembro de nossa infância, fomos ao sótão, pegamos o presépio, com as figuras, em celulóide—anterior à era do plástico—representando Maria, José, um Menino Jesus em sua manjedoura, ovelhinhas, uma vaca e um burrico, e o levamos para cima da prateleira das folhagens, sob o grande abacateiro, e, com duas caixas de fósforos—tiradas do alto do armário da cozinha—queimamos o presépio todinho, inclusive seus moradores, Anoiteceu e ficamos ali, soluçando de alívio pela tensão descarregada; de arrependimento por ter cometido um ato que poderia, mesmo não sendo católicas, caracterizar pecado; de culpa por ter destruído representações de figuras marcantes em nossas crenças e nas comemorações natalinas.
Sabes, Ilram, ainda hoje, levo tons de culpa pela destruição do presépio. No entanto, o que poderíamos fazer para demonstrar tudo que explodia por dentro de nós? Minha bisavó, que deixara a mesa ,tão linda, ao começar a troca de injúrias, refugiara-se em seu quarto, ameaçando partir antes da hora, enquanto Vovó chorava e sentia falta de ar, ao mesmo tempo que falava que nunca mais festejaria seu aniversário.
Vovó cumpriu, mais ou menos, sua promessa. Mais ou menos? Aquela mesa bonita , na qual tu e eu sempre colocávamos pequenos galhos de pinheirinho com estrelinhas , renovadas a cada ano, recebia convidados—suas netas, familiares, vocês todos—para compartilhar da alegria daquela data e das delicias que Vovó preparava com amor. Regozijo especialmente repartido entre nós, em harmonia, sorrisos e paz. Vovó, sempre, pedia a Deus, logo após o ‘Parabéns’, que Deus estendesse a perfeição desse seu aniversário até as festas de Natal e Ano Novo.
Obviamente, Ilram, sei que , na tua mente, deves guardar registros de alguns 25 de novembro em que não houve mesa com pinheirinho, flores, gostosuras ou sorridente ‘Parabéns’. Vovó , aí, seguia firme o prometido, naquele dia em que, nós duas, queimamos um presépio porque—sabes muito bem quem—chegara e, por certo, distúrbios ocorreriam. Para evitar o desagradável, principalmente para suas meninas, aquele dia 25, dia de Santa Catarina, tornava-se igualzinho aos outros. Menos, em seus aromas que , de fornos e panelas de cozinha contente, espalhavam-se pela casa.
Dizíamos, tu e eu, que Natal começava no aniversário de Vovó, que , com tantos dos dons de Santa Catarina (particularmente, o da costura), quando pequena, lá em Cima da Serra, contava aos fregueses da venda de seu pai que se chamava Catarina.
Vovó foi embora há alguns muitos anos. Sei que nos amou demais. E foi uma santa por todos os sacrifícios feitos para que fôssemos felizes, apesar de tudo.
E o Natal ainda começa em 25 de novembro, na recordação bonita que ficou de paz e harmonia que ainda buscamos para todos.
Guardei estrelas da mesa de aniversário. Queres algumas? Trazem consigo átomos da presença de nossos queridos que lutaram para que pudéssemos nos alegrar naqueles prenúncios de Natal e para que nunca mais precisássemos atear fogo a um presépio para sufocar realidade pungente.
Ilram, faço questão de te enviar uma estrela para que esta ilumine caminhos, nossos e de nossas famílias, lançando luares e sóis de Natal, que, para mim, ainda começa na mesa festiva dos aniversários de Vovó, a menina que queria ser Catarina, como a santa.
Um beijo carinhoso,
Muluh
Imagem:http://user.img.todaoferta.uol.com.br
Muluh telefonou, hoje cedo, para recordar aniversário de sua avó. Choramingava de saudade e pedia que abrisse meu correio eletrônico e colocasse aqui, no Recanto, sua mensagem.
Minha querida Ilram,
Faltava pouco para o Natal e, por isso, 25 de novembro espalhava pela casa e quintal aromas de preparação para as festas de final de ano, as quais, por sinal, iniciavam nesse dia. Abriam-se as primeiras compotas de figo , ameixa vermelha e pêssego amarelo, juntamente com conservas de pepino, couve-flor e cenoura . Havia a primeira fornada de doces de Natal, com seus salpiques coloridos sobre glacê branco. Lembra que conseguíamos, com certa dificuldade, colocar enfeites de pinheirinho , com aquelas estrelas tortas que recortáramos em dias de chuva, na mesa festiva.
Vovó, deves recordar, Ilram, nem tinha tempo para descansar em seu aniversário: preocupava-se com a carne recheada, com legumes, ovos e toques de toucinho; sanduíches enroladinhos com mistura de molho de tomate, temperinho verde e mostarda; potinhos de gelatina vermelha com creme inglês; garrafas de 'spritzbier' e gasosa; bolo grande de laranja; centro de mesa com flores colhidas em seu jardim.
E essas eram as coisas pequenas que ocupavam seu corpo. As grandes éramos nós, suas netas: final de ano escolar com provas e, para algumas, recuperações e 2ª época; como fazer de dois velhos vestidos, um novo, de festa, para cada uma de nós; e, principalmente, com a paz e harmonia que pedia a Deus que reinassem, pelo menos, durante Natal e Ano Novo.
Ilram, com certeza, podes buscar, em tua memória, as muitas vezes em que Vovó teve seu pedido atendido apenas parcialmente. Quem sabe, deveríamos ter feito, junto com ela, uma corrente de rezas, vocês e nós, para trazer o único presente que Vovó queria: PAZ. Quando chegava—sabes bem quem—tudo virava de pernas para o ar! Eram palavras duras, e feias, que—sabes bem quem—provocava.
Uma vez, nós duas, ficamos tão tristes e revoltadas que, à noitinha, num 25 de novembro de nossa infância, fomos ao sótão, pegamos o presépio, com as figuras, em celulóide—anterior à era do plástico—representando Maria, José, um Menino Jesus em sua manjedoura, ovelhinhas, uma vaca e um burrico, e o levamos para cima da prateleira das folhagens, sob o grande abacateiro, e, com duas caixas de fósforos—tiradas do alto do armário da cozinha—queimamos o presépio todinho, inclusive seus moradores, Anoiteceu e ficamos ali, soluçando de alívio pela tensão descarregada; de arrependimento por ter cometido um ato que poderia, mesmo não sendo católicas, caracterizar pecado; de culpa por ter destruído representações de figuras marcantes em nossas crenças e nas comemorações natalinas.
Sabes, Ilram, ainda hoje, levo tons de culpa pela destruição do presépio. No entanto, o que poderíamos fazer para demonstrar tudo que explodia por dentro de nós? Minha bisavó, que deixara a mesa ,tão linda, ao começar a troca de injúrias, refugiara-se em seu quarto, ameaçando partir antes da hora, enquanto Vovó chorava e sentia falta de ar, ao mesmo tempo que falava que nunca mais festejaria seu aniversário.
Vovó cumpriu, mais ou menos, sua promessa. Mais ou menos? Aquela mesa bonita , na qual tu e eu sempre colocávamos pequenos galhos de pinheirinho com estrelinhas , renovadas a cada ano, recebia convidados—suas netas, familiares, vocês todos—para compartilhar da alegria daquela data e das delicias que Vovó preparava com amor. Regozijo especialmente repartido entre nós, em harmonia, sorrisos e paz. Vovó, sempre, pedia a Deus, logo após o ‘Parabéns’, que Deus estendesse a perfeição desse seu aniversário até as festas de Natal e Ano Novo.
Obviamente, Ilram, sei que , na tua mente, deves guardar registros de alguns 25 de novembro em que não houve mesa com pinheirinho, flores, gostosuras ou sorridente ‘Parabéns’. Vovó , aí, seguia firme o prometido, naquele dia em que, nós duas, queimamos um presépio porque—sabes muito bem quem—chegara e, por certo, distúrbios ocorreriam. Para evitar o desagradável, principalmente para suas meninas, aquele dia 25, dia de Santa Catarina, tornava-se igualzinho aos outros. Menos, em seus aromas que , de fornos e panelas de cozinha contente, espalhavam-se pela casa.
Dizíamos, tu e eu, que Natal começava no aniversário de Vovó, que , com tantos dos dons de Santa Catarina (particularmente, o da costura), quando pequena, lá em Cima da Serra, contava aos fregueses da venda de seu pai que se chamava Catarina.
Vovó foi embora há alguns muitos anos. Sei que nos amou demais. E foi uma santa por todos os sacrifícios feitos para que fôssemos felizes, apesar de tudo.
E o Natal ainda começa em 25 de novembro, na recordação bonita que ficou de paz e harmonia que ainda buscamos para todos.
Guardei estrelas da mesa de aniversário. Queres algumas? Trazem consigo átomos da presença de nossos queridos que lutaram para que pudéssemos nos alegrar naqueles prenúncios de Natal e para que nunca mais precisássemos atear fogo a um presépio para sufocar realidade pungente.
Ilram, faço questão de te enviar uma estrela para que esta ilumine caminhos, nossos e de nossas famílias, lançando luares e sóis de Natal, que, para mim, ainda começa na mesa festiva dos aniversários de Vovó, a menina que queria ser Catarina, como a santa.
Um beijo carinhoso,
Muluh
Imagem:http://user.img.todaoferta.uol.com.br