Uma esplendorosa comunicação

Prólogo:

Mãe: Instituição ou pessoa muito dedicada, generosa, benfazeja, ou que ampara quando é necessário. Este texto é uma homenagem para quem soube fazer de mim o que sou. Burilou-me pacientemente. Não perdeu a fé e transmitiu esperença redobrada ante as dificuldades da vida material.

Não se afogavam as lágrimas turvas nas águas barrentas. Tépidas, insossas, respingavam tristes nas marolas do riacho que marulhavam sob os pés escanifrados, feridos, descalços do errante andarilho.

As mãos ressequidas, engelhadas, trêmulas, buscavam um refrigério para os lábios secos. Desgrenhados, os poucos cabelos, outrora bastos, refletiam os raios do sol inclemente em sua dourada e imponente plenitude.

Fazia 72 horas que eu tivera minha última refeição composta de um punhado de amoras e dois frutos de xiquexique! Eu não sabia que o sumo adstringente dos cladódios deixava a voz rouca, mas como mitigar a fome e a sede naquela plaga desolada, triste e, talvez, esquecida por Deus?

Como o uivo de um lobo ferido e faminto minha voz pastosa gruiu, ininteligível, uma prece: “Rendo graças ao senhor meu Deus por sua bondade, comiseração, e por suas maravilhas para comigo! Pois dessedenta o espírito sequioso e farta de bens a alma faminta que habita meu ser”.

Entrecortada, a voz não passava de um sussurro. O eu ser miserável dava graças por sua desgraça, infortúnio e desesperança. A água suja impregnada de bacilos gram-negativos de animais não seria suficiente para mitigar a sede, a fome e a desilusão.

O homem famélico ajoelhou-se na margem do riacho e se imaginou despido refrescando-se na banheira uterina de sua mamãe Júlia. Ah! Aquilo é que se poderia chamar de conforto e segurança.

Naquele receptáculo eu não sentia os rigores das intempéries. Não sentia fome. Não sentia sede. Não sentia dor e tampouco sentia medo. Nessa ocasião, ainda com os pensamentos voltados para o sorriso da mamãe já desencarnada, ouvi uma voz branda tal qual canção de ninar:

“Talvez um dia encontres o que buscas porque mereces o que queres. Não te aflijas por tão pouca provação. Já és vivido e tens a minha proteção por concessão divina. Tua saudade obsta tua mente e turva tua visão, mas se por pouco tempo souberes esperar ficaras livre das falsas nostalgias e atingiras a perfeição justa.

Filho amado entrega-te e sossega teu coração rude, continua sonhando, dorme a noite sem-fim como se fora apenas um instante e assim te libertaras da luxúria da carne vã. Não te esqueças que antes de ser mãe vivenciei tuas dores e desconfortos de agora.

Ao te abrigar em meu ventre inúmeras vezes eu enjoei. fique insone. Inchei. Tudo passou porque tudo passa. Hoje posso te assegurar: Reencarnações diversas purificaram-me.

Neste exato instante teu pai está aqui comigo, assim como teus avós e irmãos que vieram antes de ti. Todos estão a tua espera e, por enquanto, velando por teu sono, teus sonhos e merecida paz!”.

Suando em bicas acordei confuso, mas feliz. Tudo não passara de um sonho que fora suavizado pelas palavras de minha mãe. Um cheiro suave de flores, lírios e jasmins impregnavam o meu quarto antes sóbrio, agora rebrilhante de luz difusa e aconchegante pela musicalidade que eu não sabia donde provinha.