Ao meu amigo que não sabe abraçar, ainda

A atenção tem que ser dada a todos, quase que ao mesmo tempo, é seu último dia e a hora crucial da despedida vem acompanhada do final do expediente. Final que significa a ausência de tantas pequenas coisas que nos eram rotineiras: breves trocas de palavras, sensações, emoções literárias ou musicais, o enlace de almas que compartilham afinidades. O olhar aguçado que contempla o bom gosto ou que se horroriza com combinações exóticas demais – este é meu amigo. Exagerado nos mínimos fracassos, de uma seriedade quase agressiva.

Impecável no vestir, no falar, no portar-se, por vezes é claro, perdendo a estribeira frente a absurdos “humanísticos”. A princípio pensava que ele teria algum parentesco com o príncipe das sombras, tamanha aversão demonstrada à luz natural. Um conde Drácula talvez, mas não, sangue não é o seu forte.

Um exímio cuidador de livros que não empresta nada – jamais! Até o entendo, pois meu coração fica aflito quando percebo que a outra pessoa trata o livro como um objeto qualquer, sem fascínio, sem zelo, sem amor.

Este é meu amigo, tão jovem...

Inseparáveis pulseiras de tucum ou algo parecido. Os cabelos longos continuam acompanhando a primeira imagem que vem à lembrança. Gosto por gatos, sonho de criança.

Eis que meu corpo se aproxima para o ritual que anuncia as longas ausências; daria um abraço em que leões, águias e bois se encontram, mas o outro corpo não se volta para o meu e o máximo que posso fazer é tomar cuidado para que boca e nariz não batam contra a metade toráxica e ombral que me é ofertada.

Este é meu amigo, não sabe abraçar... ainda. Tão jovem... mas há de aprender um dia.

Lígia Martins
Enviado por Lígia Martins em 05/11/2009
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