Do Chevette ao Mustang
Um acordo pode mudar o rumos de uma vida. Ali, no telefone público do cinema de Brasília, por meio da voz de meu avô Newton, era escrito o primeiro capítulo desta história. Nilton, seu filho, acabara de ser aprovado no vestibular. A pergunta a ser feita pelo seu filho, porém, era outra. A resposta traria um Chevette 1979 e seu motor de 1.4 litros. Um carro que hoje permanece na memória e no topo da lista na folha de rascunho que ajuda a memória.
A placa trazia o número de inscrição no vestibular, embora não tenha influenciado a decisão da compra. O Chevette Super Luxo e seus bancos altos deram lugar ao modelo L de cor branca. Newton, meu avô, sugeriu que bancos semelhantes àqueles poderiam ser instalados. Custavam o valor do bólido que continou a ser L. Com bancos originais.
Após algum tempo, o Chevette perdeu seu brilho e o substituto já estava na garagem de casa. A Brasília 1980, motor 1.6, que pertencia a sua mãe, Dona Dalila, professora de música. O carro recebeu rodas novas, spoiler, farol de milha e todos os acessórios que tornaram a velha Brasília um carro único, a incluir os famosos bancos Pro Car.
O Passat permanece como um símbolo de luxo e beleza. O potente carro da Volkswagen tornou-se o novo alvo daquele jovem. Com o uso de táticas bem conhecidas, seu pai cedeu à vontade do filho que assim, passou a estacionar um Passat TS na garagem. O carro pertencia ao delegado de uma das cidades satélite da região, como se justificasse a condição do console, bancos e do carburador, que havia sido trocado. O velho Passat ainda seria vítima de um encontro com os barrancos da antiga chácara da família, ao testar a nova aquisição com alguns amigos em estradas de terra. A missão de explicar o acontecido ao seu pai, então coronel do exército, não arrancou pedaço. Talvez estes tenham ficado no barranco.
A cor não importava. O Passat LS 83 verde claro, com quatro faróis, tornou-se moda após seu lançamento. Este também foi estacionado na garagem por seu pai Newton. Novamente o carro passou a representar um objeto de desejo, e com as táticas que nós todos já utilizamos um dia, o Passat LS 1983 também foi mais um a estacionar na vaga ao lado.
Outro lançamento, mais uma troca. Os alemães continuaram a enfeitar esta lista. O Voyage 1.6, personalizado tal como a Brasília, não deixou muito óleo na garagem e foi substituído, no ano seguinte, pelo novo Gol GT 1984 e seu motor 1.8 litros. De 0 a 100 km/h em onze segundos.
Carros definidos, incluíam um Fiat 147 do general da casa e a família mudou-se para o Rio de Janeiro. Enquanto meu pai trazia o maravilhoso Gol GT, assim por ele descrito, o Voyage ficou com seu irmão Marcelo, como prêmio pela entrada na faculdade, que logo depois foi vendido a Aluízio, hoje meu tio-avô.
O Gol GT, entretanto, serviu como parte do pagamento da nova casa na cidade maravilhosa em 1985. A Parati Plus 84, usada no transporte de materiais de construção da casa, também integra parte desta lista. Logo, Newton adquiriu o Gol L 1981, com motor 1.3 refrigerado. O barulho produzido pelo carro escondia uma potência limitada.
Um Bugre Bird 1981 ainda ocupou lugar na garagem, mas não resistiu à moda dos Fuscas Baja. O Fusca 1968 escolhido estava abandonado no outro lado da rua. A danificada caixa de marcha foi logo substituída por um amigo para uma caixa de SP2. Produzida para motores 1.7, o motor 1.3 do carro não tinha a força necessária para suportar a caixa instalada. O "Herbie" ficara limitado às três primeiras marchas. Apesar dos problemas, Marcelo ainda continuou a utilizar o Baja por algum tempo.
O motor do Gol, após vários quilômetros e reboques de barco à vela, largou sua pequena marca de fumaça na estrada. Um novo amigo se ofereceu para instalar um motor 1.6. Um mês na oficina e o Gol retorna. Sem o motor.
O constrangimento impulsinou a venda do Gol. Meu pai retornou ao Chevette quando comprou o modelo Hatch SL 1982. O carro, comprado em Copacabana, não resistiu ao trajeto quando, na Barra da Tijuca, teve seu motor fundido devido a um vazamento de água. O italiano, antigo dono, não teve argumentos e pagou o conserto do carro.
O Opala Comodoro 81, motor 2.8, foi um carro marcante. Não pelo design ou pelo prazer de dirigir. O carro traz uma história rica em detalhes e abriu uma nova página na história de meu pai. Inicia-se o namoro com Cristina, minha mãe, que, seis meses depois, estaria no altar da igreja. Alguns dias depois, o carro seria roubado em plena lua de mel, em Iguaba, região litorânea, por um assaltante que rondava por ali naquela noite. O Opala, depenado, foi recuperado na delegacia. O delegado procedia com as investigações e concluiu que o assaltante era o dono do Opala. Após algumas explicações, o carro foi liberado.
Depois do acontecido, o "Opalão" foi vendido. Em seu lugar, o casal adquiriu o Opala Diplomata 1983, motor 4.1, que pertencia a meu avô Newton. Carro que fez muitas viagens para Cachoeiro de Itapemerim, no Espírito Santo, onde meu pai trabalhava. Logo, o Opala veio a financiar uma máquina de fabricação de garrafas no fundo de quintal da casa de meu avô materno, Luís. Nesta fase, foi comprado um Fiat 147 amarelo, ano 1977. O carro, na época descrito como "novo" por meu pai, se encontrava podre e sequer andava.
O reformado Fiat 147 foi vendido. Um Passat branco veio em seu lugar. Com uma viúva como antiga dona, o carro, pouco rodado, estava em excelente estado. Devo ressaltar a importância deste carro por ter proporcionado minha primeira experiência sobre quatro rodas no retorno da maternidade naquela tarde de novembro de 1992. Algum tempo depois, o Passat foi vendido a meu avô Newton.
A máquina não rendeu muitos frutos, apesar de ter sua pequena contribuição na carreira que, hoje, nos trouxe uma nova vida. Novos carros. Após uma fase sem eles, a sopradora, máquina para a produção de garrafas, foi substituída por um belo Monza SLE Sedan 1983 e seu motor 1.8. Além do Monza, chegaram um Fiat Prêmio 1985 e um Gol GLS 1988, cujo motor, ou o destino, abandonou meu pai na ida para uma entrevista de trabalho. O carro foi vendido após os problemas mecânicos.
O Fiat Prêmio foi trocado por uma Caravan L 1981, dita como velha pelo dono. Apesar da vergonha que este sentia pelo carro, a Caravan estava em melhores condições e por um belo preço. Um novo Fiat, o Uno CS 86, 1.5, veio a nossa garagem. O carro que não apresentava a documentação necessária foi apreendido na estrada que leva a Iguaba. O fiscal responsável pela apreensão parece ter esquecido que tais documentos não foram emitidos por Brasília naquele ano. Alguns contatos e dias depois, o carro foi liberado.
A história com a marca italiana continua: o Uno Mille 93, vendido para a compra de um apartamento nos Pontões da Barra. Com a compra e uma situação financeira mais estável, a Fiat lançou o programa de vendas Fiat Online. Devido às condições do mercado, o dólar baixo e a demanda por esses carros baratos, o programa possibilitava que compradores montassem e encomendassem seu veículo. Depois de dois meses de espera, chegaram dois modelos Uno Mille 94 a nossa garagem. Um deles, branco, serveria ao casal, enquanto o outro estava à disposição de meu avô Luís para me transportar a locais como minha pequena creche.
Motivados pela proximidade com meus avós maternos, meus pais compraram um apartamento no Recreio dos Bandeirantes. Na troca do antigo apartamento, um Fiat Prêmio CS 1993, motor 1.5, estacionou em nossa nova garagem. Uma batida na parte lateral do Uno Mille branco, na tarde de Reveilon, trouxe aborrecimento e a venda do carro para Celita, mulher de seu tio Aluízio, que precisava montar seu consultório e ter um carro barato.
Com a volta da estabilidade financeira, meus pais compraram um carro superior naquela época. Também da Fiat, o Uno Mille ELX 1.0 1996 marcou a primeira vez que meu pai foi assaltado a bordo de um carro. Este foi trocado, pouco tempo depois, pelo último carro da marca nessa história: o Palio EDX 1997. O carro, quatro portas, é considerado como o primeiro carro de luxo do casal. O brilho, entretanto, foi ofuscado por marcas de ferrugem, quando o carro tinha menos de um ano de uso. Mesmo com reclamações perante à concessionária, a solução resumiu-se na venda do carro e com o triste final da Fiat nesta história.
O clima carioca e a praia próxima de casa pediam um Bugre. O modelo Fly 88 foi uma diversão passageira. Este carro, em particular, me traz a lembrança de um dia de carnaval, algumas amigas de minha mãe e minha pequena fantasia que, hoje, poderia ser facilmente confundida com algum personagem de Piratas do Caribe.
O Bugre servia muitas funções, apesar da posterior compra de um lançamento da Chevrolet: o Corsa MPFI 1996, 1.0. O Corsa, quase dois anos depois, apresentou diversos problemas, inclusive com o sistema de ar-condicionado, essencial no Rio de Janeiro. Com o alto preço exigido pelos reparos, a solução foi trocar o carro pelo modelo de 1998.
Ainda antes da ferrugem, o Palio quase foi o local de nascimento de minha irmã Ana Luisa, hoje com dez anos de idade. Na volta da maternidade, Ana já andava em nosso novo Suzuki Samurai. O carro ainda levou a mim, meu pai e meu primo Luís Cláudio para a nossa primeira trilha off-road, que terminou assim que as tentativas de ler a planilha se exauriram.
O Samurai 1997 deu lugar ao Vitara de mesmo ano, pela necessidade de um carro maior e mais confortável. Motivados por minha paixão por carros e ralis, restrita às minhas edições da Quatro Rodas e meus brinquedos, o Vitara foi o meio mais próximo de nos aproximar do mundo off-road. Desde então, os carros com tração nas quatro rodas tornaram-se obrigatórios na garagem.
O Corsa MPFI 1998 era usado por nosso motorista, pela necessidade de continuar nos transportando, juntamente com minha avó materna Nair, após a morte de meu avô, alguns anos antes. As despesas com o carro nos motivaram a vendê-lo e a migrar para o sistema de táxi. Um carro que nunca mais foi substituído.
Ter um Honda Accord em território brasileiro é um ato de luxo. A beleza, o conforto e a suavidade conquistaram minha mãe. Esta encontrou-se em meio a escolha entre o Honda, comprado com o lance mínimo de um leilão, e o Suzuki, carro pouco visado pelo crime, quando meu pai começou a utilizar o carro da empresa. A escolha, nestes tempos que o Rio vive, deu-se pela segurança do Suzuki.
Depois de um ano de trilhas, alguns prêmios em ralis de regularidade, e grandes amigos, a necessidade por um carro mais potente nos trouxe a uma bela Mitsubishi Pajero GLS 1997 e o grande motor V6 com 3.0 litros. A mesma Pajero nos levou a uma conturbada viagem ao Jalapão, no estado do Tocantins.
A compra do sítio, na Pedra de Guaratiba, fez surgir a necessidade de um carro que transportasse os materiais de construção e utensílios. Meu pai comprou uma Ford Pampa L 1997, motor 1.6, com uma cor prata que revelava a idade do carro. Assim como em outros momentos desta história, a antiga Pampa se transformou na bela Ford Ranger SXT. Também de 1997, motor 4.0, a Ranger e sua cor preta tornaram este um carro apaixonante. O modelo ainda trazia o famoso "banco da sogra", um em cada lateral da cabine.
A Pajero era um carro desconfortável para viagens por ter apenas duas portas. Logo, a bela Mitsubishi foi substituída por uma Cherokee Sport 1997 e o grande motor 4.0. Recém-comprada, o radiador do carro estourou com meu pai na ida ao trabalho. Com o problema resolvido, o carro foi vendido. Em lugar da Pajero, uma Cherokee 1998, um negócio que foi realizado entre Rio e São Paulo, sem ao menos ver o carro.
A Ranger foi vendida e a Cherokee foi parte na troca por uma Mitsubishi L200 GLS 1999, com a qual, assim como na Pajero, realizamos o rali válido pela Copa Mitsubishi em Itaipava.
Pela grande amizade com Lello Pepe, o Lellinho, vendemos a L200 e compramos uma Nissan Frontier Serrana 2004 em sua concessionária. Além do tamanho, desproporcional às estreitas ruas do centro carioca, a beleza e sua motorista, minha mãe, despertavam olhares curiosos. Nesta época, final de 2005, meu pai foi transferido para a sede de sua empresa nos Estados Unidos.
Além da nova casa, os carros baratos se tornaram um atrativo, quando, em novembro daquele ano, enquanto vestia uma camisa de uma grande companhia brasileira, comprou dois carros com um vendedor também brasileiro. O sonho de ter uma BMW foi realizado pelo belo modelo 540i, ano 2000, e um sadio motor V8 4.3. Além da BMW, o carro da família veio a ser uma Ford Expedition 2001, com motor 4.6, que hoje, com sol ou chuva, está estacionada um pouco abaixo de meu quarto, fora da casa.
Com o alto custo de manutenção e alguns defeitos graves e misteriosos, o foco para a troca passou a ser os carros americanos. Surgia a chance de comprar um carro que define o termo Muscle Cars: um Mustang V6 2007 que estava estacionado na garagem quando, com minha mãe e minha irmã, cheguei definitivamente a nossa nova casa. E garagem também. A história, entretanto, ainda não acabou.
Numa tentativa de retornar ao mundo off-road, compramos uma Jeep Liberty 2006 prata, motor 3.7. Após uma trilha que não conseguiu recuperar o mesmo encanto que tínhamos com nossos amigos em terras brasileiras, a Liberty tornou-se o carro da dona da casa, que, após a Frontier, se acostumou com carros mais altos.
Com o início da primavera deste ano, nos meses de abril a junho, os carros conversíveis começaram a deixar as garagens, após três meses de frio e alguns dias de neve. O desejo de saborear o vento no rosto nos trouxe a um novo Mustang. Este já carrega o emblema GT, edição Califórnia Special, e um motor V8 sob o capô de 4.3 litros.
Uma paixão que precisaria de tantas outras páginas para ser, se possível, descrita, originada na infância, percorreu quarenta e cinco carros até este momento. Paixão entre pai e filho. Hoje, com minhas paredes enfeitadas por minha coleção, começo a ter as primeiras experiências a bordo da Liberty, algumas gerações após a Variante, nas estradas de terra da fazenda, onde meu pai e professor aprendeu a dirigir. Futuros carros? Ele não sabe responder. Talvez você, assim como eu, já tenha concluído que esta pergunta, em breve, terá uma resposta.