HOJE É DIA DE CECÍLIA, EDUCADORA

Para Francieli

Cecília era um passarinho quieto, de repente, ei-la pássaro canoro. Cecília ouvia-me histórias, agora sonha contá-las ela própria, para as crianças. Outras hiastórias, por certo, com heróis e vilões, bruxas e fadas, início, meio e fim, final feliz. Cecília sabe que os olhinhos surpresos, arregalados, em suspenso, têm sempre direito a um final feliz.

Cecília estuda Pedagogia. Está no 1º semestre, mas se sente estudando há séculos. Já é líder em seu grupo, também na classe. Já se dá conta dos custos-benefícios de ser líder.

Ouço a chave na porta. Cecília entra. Hoje não é dia de faxina nem de forno: hoje é dia de Cecília. É bem verdade que, mal chegando da faculdade, só teve tempo de beber um copo d'água, antes de sair de novo, para acompanhar a mãe ao mercado. A pé, e entre a casa e o mercado há uma ladeira... que ladeira! É verdade também que ontem, até a madrugada, Cecília esteve a construir brincos e anéis, todos lindos, todos disputados. Cecília sabe muito de tudo, jamais teve por hábito hierarquizar tarefas, essencialmente quando se trata de servir aos outros.

Mas, não nos esqueçamos: para além das variáveis, hoje é dia de Cecília. Seus olhos brilham ao contar que o trabalho sobre Literatura Infantil foi tão bom que até o professor, via de regra impassível, aplaudiu de pé. De pé, imaginem só! Cecília vibra enquanto conta. Percebemos ambas que seu grupo e a classe toda vão aprendendo com ela, com seu entusiasmo. Cecília é puro entusiasmo, um deus feliz lhe habita a alma, os gestos. É fácil imaginá-la contando histórias às crianças, despertando nelas não o hábito - hábito é escovar dente, dormir cedo, cumprir tarefas... - mas a paixão pela leitura, coisa muito diferente.

Cecília me faz sentir que a Educação ainda é possível. Para além de todos os escombros, verdadeiros educadores continuam a nascer, para perpetuarem a esperança na trilha dos que, quase sempre no anonimato de cada dia, para além do medo e da insegurança, com seus gestos feitos de competência e amor, de quase nenhum reconhecimento por parte da Sociedade, vão preparando um futuro mais digno para este país feito quase que apenas de feridas abertas.

Zuleika dos Reis