Todo mundo que escreve para o mundo põe um pouco de sensacionalismo e sentimentalismo para ser compreendido. Eu me descobri um apaixonado pela música latina ainda na infância e acabei aprendendo a gostar de gente como Pablo Milanés, Chico Buarque de Holanda, Caetano, Gil, Raíces de América, Buena Vista Social Club, dentre tantos; mas ela, Mercedes Sosa, jamais haverá alguém que chegue aos seus pés. Mercedes foi para mim um astro de raro brilho próprio e a primeira vez que estivemos juntos, ela numa fita K-7 e eu como ouvinte de suas canções, foi num tempo muito remoto para mim; naquele dia eu ouvi “Unicornio”.
 
“Mi unicornio azul ayer se me perdió, y puede parecer acaso una obsesión, pero no tengo mas que un unicornio azul, y aunque tuviera dos, yo solo quiero aquel, cualquier información la pagaré. Mi unicornio azul, se me ha perdido ayer, se fue.”
 
Depois deste nosso encontro, jamais tive outra voz para me acompanhar pelos sonhos de liberdade Latino Americano; conheci Nacha Moretto do Raíces de América e um punhado de outras pérolas do cancioneiro da resistência, mas a voz de Mercedes sempre acompanhou todas as fases de minha vida.
 
Eu não preciso mentir para afirmar nada, mas esta noite, durante a madrugada, eu esperava o horário para assistir a corrida de Fórmula 1 na televisão; era mais de meia noite quando resolvi abrir uma garrafa de vinho argentino da região de Mendonza; um vinho destes baratos que estão na moda. Antes do primeiro gole, me bateu uma saudade das músicas latinas! Fui buscar em meus arquivos as músicas de Silvio Rodriguez e Pablo Milanés. Em dado momento, quando ouvia “Canción por la unidad latinoamericana”, resolvi ver algumas letras das músicas de Mercedes Sosa para ilustrar o capítulo da América Latina de meu livro.
 
Separei algumas coisas; rabisquei outras e entre uma descoberta e outra de seu repertório com quase 300 músicas, fiquei ouvindo suas músicas; relembrando dos tempos de militância estudantil, de meus amigos que ficaram para trás, dos outros que já morreram, das minhas tantas viagens, enfim, me apanhei saudosista, bebendo vinho e ouvindo a pérola argentina, Mercedes Sosa, La Negra.
 
Confesso que havia meses que eu não a escutava; ela estava internada com problemas de saúde e eu não sabia; Mercedes Sosa estava despedindo-se do mundo e meu subconsciente pedia para ouvi-la. Agora, 23:01h, ouvi no telejornal que ela havia falecido; ela morreu uma hora depois de eu ter ido dormir ouvindo suas músicas; somente agora soube disso e como faço com todos aqueles que eu gosto, mesmo sem tê-los conhecido, presto a minha nova homenagem; o mundo e meus leitores que por ventura não a conheçam, deviam prestar mais atenção na força e magia de todas as suas músicas.
 
Mercedes que nasceu em San Miguel de Tucumán, Argentina, em 1935, viveu a maior parte de sua vida cantando os mistérios dos Andes e a liberdade da América Latina; incansável, guerreira e extremamente bela, era carinhosamente conhecida como “La Negra”, por causa de seus longos cabelos negros.
 
Ela iniciou a sua carreira como cantora em 1950 depois de ter ganhado um concurso de canto; em 1959 gravou seu primeiro álbum, mas foi somente em 1971 que ela explodiu no cenário mundial; Sosa gravou “Gracias a La vida” em homenagem a chilena Violeta Parra.
 
Em 1979, Mercedes Sosa, que era conhecida na Argentina pela sua ligação ao peronismo, sofre uma das maiores humilhações imposta a um artista; ela é revistada e presa ainda no palco durante um concerto em La Plata. Foi expulsa da Argentina e criou refúgio em Paris e Madrid.
 
Ela voltou ao seu país em 1982, mais uma vez no olho de outro furacão, a Guerra das Malvinas, mas superou os infortúnios, cantou com todos aqueles que gostavam, dentre eles o brasileiro Fagner quando gravou “Años”, grande sucesso dos anos 80 e Beth Carvalho; desta última dupla, saiu a obra de arte “solo le pido a dios”; e foi “solo le pido a dios” que ontem a noite eu escutava para retirar um trecho que enriqueceria uma de minhas crônicas.
 
Eu só peço a Deus, que a dor não me seja indiferente; que a morte não me encontre um dia, solitário sem ter feito o que eu queria.
Eu só peço a Deus, que a injustiça não me seja indiferente; pois não posso dar a outra face, se já fui machucado brutalmente.
Eu só peço a Deus, que a guerra não me seja indiferente; é um monstro grande, pisa forte, toda forma de inocência desta gente. 
Eu só peço a Deus, que a mentira não me seja indiferente; se um só traidor tem mais poder que um povo. Que este povo não esqueça facilmente.
Eu só peço a Deus, que o futuro não me indiferente; sem ter que fugir desenganado, pra viver uma cultura diferente.
 
Mercedes Sosa! Se existe algum lugar acima do céu, com certeza você estará lá agora, cantando nas estrelas para a paz do mundo!
 
Paz Profunda!
 
 
Carlos Henrique Mascarenhas Pires
www.irregular.com.br
 


CHaMP Brasil
Enviado por CHaMP Brasil em 05/10/2009
Código do texto: T1848562
Classificação de conteúdo: seguro