35 - ELE ERA ASSIM...

35 – ELE ERA ASSIM... Bem devagar!

Ele era assim daquele jeito, devagar quase parando. Daquele tipo que, se fosse para morrer de mal súbito como um infarto fulminante, demoraria por certo mais de mês. Nunca se viu ninguém tão lerdo assim! Nas suas palavras assim se auto definia.

Tonico não pertencia à banda dos brancos, mas por certo, preto também não era. Vamos dizer que por mais longe que fosse, decerto alguém na sua família tivera um filho com uma mulher bem pretinha. Embora não fosse albino, se alguém de sarará o chamasse, virava fera.

Se houvesse festa na praça regada a vinho e cachaça Tonico não perdia.

Quando menino seu serviço era candeeiro, ou seja, ajudava a conduzir a colheita para o paiol da fazenda, guiando carro de boi. Acho que esta “pressa” toda na vida aprendeu logo cedo.

Aos bois com ferrão não estocava: vai que eles o obedecessem e o passo apressava, dizia ainda filhote. “Se posso andar não vou a trote”. Chapéu de palha na cabeça, furado bem perto da copa e que ele herdara do seu irmão Quincote que para cidade partira.

Com um ramo de capim na boca, Tonico vivia matutando quando chegaria sua vez. Por mais calma que ali fosse a vida um dia sumiria lá pras bandas de Barão. Por ali mudar de rotina só se fosse trocar carro de boi por carroça.

Um belo dia Tonico ficou sabendo que um circo viria para a cidade vizinha. Pensou consigo: agora eu me arranjo, quando o circo for embora me mando, vou junto.

Entretanto o que sabia ele fazer para num circo trabalhar? Bater estaca fincar os postes e os mastros, espichar lona, tratar dos leões, onças e limpar as jaulas. Por muito tempo teve certeza de que adiante estaria bem de vida: vou o mundo percorrer toda Minas conhecer, vou para Alagoas e Sergipe, ver o mar, andar na praia, as salinas de Moçoró quero ver bem de perto!

Sonhava alto sua vida voava ligeira, pés no chão, no entanto era aquela pasmaceira.

Veio o circo e ele foi, mas, a dois ou três espetáculos somente sua responsabilidade para com os pais não lhe deixou repetir a façanha do Quincote, que não deu bola nem para a Mãe que um dia lhe pedira: - não vá meu filho, cidade grande não presta, fique aqui com seu pai o pouco tempo que lhe resta, ele anda meio adoentado acho que de tanto imaginar se você for embora e ele também desta para o além, quem vai cuidar da casa para nós? Você é suporte!

- Não posso Mãe se ficar sem experimentar vida bem diferente por certo não conseguirei levar uma vida contente! Vou, fico um ano ou dois, quando muito. Volto assento a cabeça, caso, boto família, aí posso ficar por aqui pelos restos dos meus dias. Quincote foi, já se passaram cinco anos, não voltou não escreveu, nenhuma notícia deu. Enquanto eu aqui nesta Vila do fim do mundo, no circo só descobri a magia, não nos mágicos ou nos palhaços que eram até bastante engraçados. Mas na banda, sim senhor nunca vi coisa tão rara: músico e comediante o maestro me encantara... fazia tanta presepada com o trombone de vara que jurei para mim mesmo vou aprender a tocar ou me arrebento tentando. Ficava Tonico agora com seu cigarro de palha no canto da boca pensando.

O circo foi embora, mais duas vezes voltou e eu ali a sonhar... aprender tocar trombone ou mesmo saxofone.

O pai morreu, nós mudamos mais para perto da cidade, arranjei emprego de ajudante numa alfaiataria. Cortar, montar paletós alinhavando conforme o mestre mandava a experiência de costurar boca dos sacos de milho, feijão e arroz muito ajudara. A vida corria reta.

Certo dia eis que chegou encomenda aprazada, uniforme para Banda de São José da Lagoa. O mestre falou assim: vamos até lá para medir, vamos de Jeep com o Fúlvio. Em dois dias nós mediremos, anotamos. Voltando, eu marco e corto você alinhava Mauro e José João vão costurar. Não é muito serviço dezoito pares somente.

Nos dias de medição vendo os instrumentos bem perto, fiquei imaginando como seria bom morar ali para entrar para escola de música. Só que de Santa Bárbara ou Barão até São José da Lagoa era bem um estirão a cavalo ou de charrete.

Fizemos os uniformes entregamos recebemos da Prefeitura Municipal que organizara e mantinha a Lira.

A alfaiataria tinha boa freguesia. Mesmo os motoristas da Companhia Belgo Mineira e da Companhia Asa Branca que transportavam carvão para Usina. Digo mesmo sem crédito algum, pois, motoristas da Belgo viviam fazendo gracinha passando sempre pé-embaixo, atropelando as galinhas, quebrando as cercas matando nossas porquinhas. Mesmo assim, digo e repito, deu para garantir carona duas vezes na semana. Passei a freqüentar aulas na “Escola da Lira José Batista”. Valeu à pena insistir. Da amizade com os empregados da Belgo surgiu oportunidade de arranjar emprego melhor. Agora com fama de músico, me deram serviço leve, trabalhar na fundição para moldes pequenos. Montar, moldar e ajudar a fundir. Nesta época lá pelos anos cinqüenta o Presidente Getúlio Vargas, naquele sobe e desce danado, instituiu parceria com governos dos Estados, com o Governo de Minas. Logo, convênio assinado, precisou fomentar a criação de bandas de músicas para as festas oficiais.

Para os músicos de plantão foi a salvação da lavoura. Seleção por compadrio ou mesmo indicação, importante não abrir mão!

Veio parar em Itabira que muito exagerada era, formar três ou quatro bandas aqui: muita pretensão! Formaram duas das boas, a “Euterpe Itabirana” e a Santa Cecília. No Ginásio Sul Americano fanfarra nota dez. No Coronel José Batista, Banda Escolar de primeira. No Colégio das irmãs comumente assim chamado “O Nossa Senhora das Dores”, recital de poemas e incipiente teatro, pintura, bordado, escultura de Santo pelo Alfredo Duval: Era Itabira fazendo Arte!

De Tonico como era conhecido na roça, passou a ser em Itabira do Mato Dentro, “Seu Tonico” e fez tudo que seu irmão Quincote prometera. Cuidou da Mãe e dos irmãos, casou, constituiu família e a criou, viveu por aqui mais de cinqüenta anos incorporado na Banda, tocando e fazendo retreta nas festas da Padroeira. Pinga com mel ou limão que gostava de tomar, se errasse a mão, umas a mais, não perdia a compostura. Quando muito dificultava a sua embocadura, soprando, esforçando a música não saia, os amigos então gritando “quede” (cadê) o bocal Sô Tonico!

Seu Tonico desencantou; foi fazer seresta no céu!

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CLAUDIONOR PINHEIRO
Enviado por CLAUDIONOR PINHEIRO em 07/09/2009
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