AS FALAS DO CORAÇÃO
PAI,hoje vim aqui para conversar contigo,não porque o calendário comercial determinou que ,hoje,seja o dia dos pais,mas,porque me dei conta,neste    calmo domingo de sol,o quanto você me faz falta.
Não se passa um dia que não lembre de suas palavras e da sua filosofia;dos valores que passou prá mim,da sua honestidade e do seu afeto.Claro que neste pacote está também o avô magnífico que você foi,sempre disposto a sacrifício pelos” petelecos,”como você ,carinhosamente os chamava;lembro-me,como eu gostava de lhe esperar na janela,naquela pequena Miguel Calmon,cidade da sua paixão,quando você vinha do trabalho,com seu terno de linho branco e chapéu panamá;pai,você era o homem mais lindo do mundo!
Ainda lhe vejo em mim,nos olhos claros,na inquietação,na vontade enorme de saber,no gosto pela leitura,no coração de manteiga,que me faz chorar até com noticias de TV,solidaria com pessoas que nunca conheci.
Aos dezoito anos comecei a me estranhar consigo,lembra?Eu queria casar,você queria que eu me formasse primeiro,dizia:-o verdadeiro marido de uma mulher é seu diploma-você sabia das coisas,eu não;me formei aos trancos e barrancos,um olho no altar outro no canudo,mas,graças a você levei até o fim.
Que teria sido de mim sem uma profissão,quando tive que deixar um marido,digamos,inadequado!?E você me apoiou,ao contrario de minha mãe,preocupada com as convenções sociais,com” o que a família iria dizer”,eu-a primeira divorciada do clã,desde que Eva comeu a maçã;você não se importou muito com os disse-me-disse e nem com o fato de eu ser,não a ovelha-negra,mas,pelo menos,a ovelha cinza-chumbo;você não precisou dizer nada para eu aprender a seguir em frente com meus valores e crenças,apesar do que os outros pensavam.
Nos meus trinta anos,outra dissidência,mais séria,sobre filhos,trabalho,maneira de viver;nesta altura eu lhe achava um velho bobo chato;eu o ouvia pouco e a gente vivia naquela de guerra fria;quantas vezes eu o odiei e você deve ter me odiado.
Vivemos essa relação de amor/ódio por muito tempo,até meus cinqüenta anos,quando,de novo,você subiu ao pódio;já bem velhinho,atacado pela esclerose,as marcas sangrentas que a vida lhe deixou,cicatrizes d’alma.O meu respeito por você,o meu amor,a minha compaixão por tudo que lhe aconteceu,e,principalmente,a forma traumática da sua partida,fez-me ver que,durante muitos anos eu convivi com um deus e não soube apreciá-lo,devidamente.
Mas,hoje,aqui,voltamos a conversar como grandes amigos;repousando no solo sagrado para você,as terras de seus ancestrais,diante do seu lugar de repouso para onde eu o levei depois que você passou para um mundo melhor,eu disse:PAI,estou aqui para apresentar sua família;seus netos,seus bisnetos e até Natalia,sua tataraneta,que também herdou seus olhos claros e sua independência;ela já abre seus caminhos no mundo,sozinha,como você nos ensinou.
PAI,nós vencemos!Estamos todos unidos,debaixo das suas asas protetoras e,te vejo dizer baixinho,com seus botões-é,combati um bom combate;Estou satisfeito.Dizem os espíritas que nos reencarnamos,voltamos a encontrar nossos antepassados;apesar de um pouco descrente,torço para que seja verdade. PAI,quero ser tua filha,novamente.
Texto do (Livro de Família) Publicado em 2008 (Esgotado)
Miriam de Sales Oliveira
Enviado por Miriam de Sales Oliveira em 08/08/2009
Código do texto: T1742963
Copyright © 2009. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.