TRIBUTO À CLARINDO DOURADO-SEU CLARO

EU RECORDO COM SAUDADE UM TEMPO QUE LONGE VAI

A MINHA PRIMEIRA MORADA DO PENSAMENTO NÃO SAI

VENDO A CHUVA FININHA QUE NO TELHADO HOJE CAI

NÃO CONTIVE E FUI CHORANDO LEMBRANDO DE UM VELHO PAI.

RECORDO COM MUITO CARINHO DO VELHO CLARINDO DOURADO

ESTE CABOCLO SERTANEJO QUE RESIDIA NUM POVOADO

DEIXOU AQUI A SUA HISTORIA E FAZ PARTE DO MEU PASSADO

DA NOSSA CASA NA PRAÇA NOVA ELE TRABALHAVA AO LADO.

ELE ERA CABELEIREIRO E SÓ VINHA NO DIA DA FEIRA

A SUA SALINHA ERA POBRE PORÉM HOSPITALEIRA

COM SEU TRABALHO SIMPLES SUSTENTAVA A FAMILIA INTEIRA

ATENDIA POBRES E RICOS SEMPRE DA MESMA MANEIRA.

GOSTAVA DE TRABALHAR SEMPRE CONTANDO HISTORIA

FALAVA DA VELHA ROÇA DA SUA VIDA, DAS SUAS VITÓRIAS

GOSTAVA DE ENALTECER O BOM JESUS NO REINO DA GLÓRIA

O SEU EXEMPLO DE CRISTÃO EU SEMPRE GUARDO NA MEMÓRIA.

SEU CLARO ERA POBREZINHO MAS DE UM RICO CORAÇÃO

MESMO ESTANDO JA VELHINHO GOSTAVA DA PROFISSÃO

FALAVA DO SEU VELHO PAI DO TEMPO DA ESCRAVIDÃO

EU NOTAVA QUE SEUS OLHOS MOLHAVAM DE EMOÇÃO.

E BEM NUM DIA DE SEGUNDA FEIRA NUMA TARDE MUITO QUENTE

PERCEBI QUE SUA TENDINHA ESTAVA LOTADA DE GENTE

DOUTOR TOSTA FOI CHEGANDO ERA UM MÉDICO PACIENTE

SEU CLARINDO ESTAVA NUM BANCO RESPIRANDO INCONSCIENTE.

POR ALI ME APROXIMEI E FUI VER O QUE ACONTECEU

ME FALARAM QUE EM SÃO PAULO ASSASSINARAM UM FILHO SEU

O CORAÇÃO DAQUELE POBRE QUANDO A NOTICIA RECEBEU

POR CERTO TOMOU UM SUSTO E TODO MUNDO SE COMOVEU.

SEU CLARINDO FOI ATENDIDO E MAIS TARDE ELE MELHOROU

ABRAÇANDO DOUTOR TOSTA ME LEMBRO QUE ELE FALOU:

AMIGO EU MUITO LHE DEVO VEJA COMO EU JA ESTOU

MEU CORAÇÃO AGORA TA BOM MAS ESTA MORTE ME MACHUCOU.

SEU CLARINDO VOLTOU AO TRABALHO, ESTAVA SADIO NOVAMENTE

MAS AQUELA CENA TRISTE NÃO SAIU DA MINHA MENTE

E AQUELE FILHO QUERIDO QUE FOI MORTO COVARDEMENTE

ERA O SEU BRAÇO DIREITO QUE LHE AJUDAVA MESMO AUSENTE.

E NUMA TARDE DE SEGUNDA FEIRA MEU PAI ME LEVOU LA

PARA OS MEUS COMPRIDOS CABELOS SEU CLARO IR CORTAR

EU ERA UM MENINO INSEGURO E AS VEZES QUERIA CHORAR

MAS SEU CLARO COM TODA PACIÊNCIA PROCURAVA ME AJEITAR.

COM ELE SEMPRE CORTAVA O CABELO EU TINHA PERDIDO O MEDO

UM DIA ELE CHEGANDO DA ROÇA AINDA ERA DE MANHÃ CEDO

ME CHAMOU NA SUA TENDINHA E ME OFERTOU UM BRINQUEDO

ERA UM PIÃO BEM BONITO QUE EU RODAVA ENTRE MEUS DEDOS.

UM DIA COM MINHA AVÓ À TARDEZINHA NA NOSSA ROÇA

EU ME LEMBRO QUE SEU CLARO PASSOU EM NOSSA PALHOÇA

COM SUAS PERNAS ARRANHADAS E COM AQUELAS MÃOS GROSSAS

PUXAVA COM SACRÍFICIO A SUA PEQUENINA CARROÇA.

TOMOU CAFÉ COM A GENTE LA NO BANQUINHO DA COZINHA

E NOTEI QUE NA SUA CARROÇA SO TINHA ARROZ E FARINHA

SEU TRABALHO NÃO RENDEU A SUA FEIRA FOI FRAQUINHA

LEMBRO-ME QUE MINHA VÓ DEU-LHE O POUCO QUE TINHA.

POR MUITAS VEZES À TARDEZINHA QUANDO A FEIRA TERMINAVA

LEMBRO-ME QUE SEU CLARO NA NOSSA ROÇA PASSAVA

ENCONTRANDO COM MEU AVÔ POR MUITO TEMPO PROZEAVA

EU GOSTAVA DE FICAR OUVINDO OS CAUSOS QUE ELE CONTAVA.

DAQUELE COSTUME ANTIGO TENHO MUITA RECORDAÇÃO

ESSES VELHOS DE OUTRORA MANTINHAM A TRADIÇÃO

OS COMPADRES SE ENCONTRAVAM LA NO MEIO DO SERTÃO

E NOS BATENTES DAS PALHOÇAS NOS ENCHIAM DE EMOÇÃO.

SEU CLARO DEPOIS DE UM TEMPO VEIO MORAR AQUI NA CIDADE

POIS SEU CORPO VELHO E SOFRIDO SENTIA O PESO DA IDADE

OUTRO FILHO TINHA MORRIDO VÍTIMA DE OUTRA CRUELDADE

E TAMBEM A FILHA SUZANA NUM ATO DE DESESPERO E INSANIDADE.

FOI UM CALVÁRIO DE DOR PARA UM HOMEM TÃO SOFRIDO

O DESTINO FOI CRUEL PARA AQUELE VELHO TÃO QUERIDO

MAS MESMO NO SOFRIMENTO TEVE UM ESPÍRITO EVOLUÍDO

SEU CLARO FOI UM EXEMPLO UM ESPELHO A SER SEGUIDO.

ESTE HOMEM SERTANEJO ERA UM EXEMPLO DE BONDADE

SUA PROFISSÃO DE BARBEIRO DEIXOU MARCAS NA CIDADE

O PRETO VELHO QUERIDO AGORA DESCANSA NA ETERNIDADE

E PRA NÓS SEUS AMIGOS DEIXOU UM FARDO DE SAUDADE.

NOTA:

O SEU CLARO COMO ERA CONHECIDO, DEIXOU UMA ENORME SAUDADE EM MIM. QUANDO PENSO NAQUELES PRETOS VELHOS QUERIDOS, QUE GOSTAVAM DE IR VISITAR MEUS AVÓS NA ROÇA, NA FAZENDA PAU DARCO, EU ME LEMBRO DELE. NÓS MORÁVAMOS NA ANTIGA PRAÇA NOVA, HOJE PRAÇA SENHOR DO BONFIM E SEU CLARO TINHA A SUA BARBEARIA,( HOJE O POVO A CHAMA DE SALAO DE CABELEIREIRO), BEM AO LADO DA NOSSA CASA. EU PASSAVA ALGUNS DIAS POR LA E OUTROS, NA CASA DOS MEUS AVÓS, ONDE DEPOIS FUI MORAR DEFINITIVAMENTE. FUI CRIADO PELOS MEUS AVÓS ADOTIVOS, EZEQUIEL E ANA MENDONÇA. UMA DAS MINHAS DIVERSÕES AINDA CRIANÇA ERA OUVIR OS CAUSOS ENGRAÇADOS QUE SEU CLARO CONTAVA ENQUANTO CORTAVA O CABELO DE SEUS CLIENTES. DURANTE TODA A MINHA VIDA EU NUNCA O VI DE MAU HUMOR, MESMO PASSANDO POR TERRÍVEIS PROVAÇÕES. DOIS FILHOS DELES FORAM ASSASSINADOS EM SÃO PAULO E A SUA FILHA SUSANA, MORREU ENVENENADA, POR AMOR À UM HOMEM QUE ELA GOSTAVA MUITO E NÃO ERA CORRESPONDIDA. SEU CLARO ENFRENTOU TODAS ESSAS BARREIRAS COM PACIÊNCIA E EQUILÍBRIO. NO DIA QUE ELE PASSOU NA ROÇA DOS MEUS AVÓS COM A SUA CARROCINHA DE MADEIRA, EU, COMO TODO MENINO CURIOSO, NOTEI QUE ELE SO LEVAVA PARA CASA UM PACOTE DE ARROZ E UNS QUILINHOS DE FARINHA. A MINHA AVÓ PERCEBEU TAMBEM A FRAQUEZA DA SUA FEIRA. DEPOIS ELE NOS DISSE QUE SO TINHA CORTADO O CABELO DE UM CLIENTE E FOI JUSTAMENTE O CABELO DO MEU PAI EDIZIO MENDONÇA. ELE NÃO COBRAVA, MAS MEU PAI, SEMPRE LHE DAVA UM AGRADO, QUE AS VEZES ERA MAIOR DO QUE O PROPRIO VALOR DO CORTE. E GOSTAVA DE SENTAR NUM BANQUINHO DE MADEIRA QUE TINHA LA DENTRO DA VELHA PALHOÇA E QUANDO COMEÇAVA A PROZEAR COM MEU AVÔ, FICAVA ATÉ TARDE DA NOITE. DE VEZ EM QUANDO APARECIAM SAZINHO, JOÃO DOCA, NENZINHO PEDREIRO, SEU ZUQUINHA E OUTROS VISINHOS DA ROÇA QUE NÃO ESTOU ME LEMBRANDO NO MOMENTO E AS VEZES CAÍA UMA CHUVINHA MANSA, FRAQUINHA, EU, POR ALI, SABOREANDO UMA FAROVA DE COSTELA DE PORCO, TOMANDO UM CAFEZINHO BEM QUENTE, À BEIRA DO FOGÃO, NO COLO DA MINHA VOVÓ E OUVINDO TANTAS HISTÓRIAS BONITAS, AS VEZES MAL ASSOMBRADAS, QUE AQUELES VELHOS QUERIDOS NARRAVAM. ETA TEMPINHO BOM QUE TRAZ FORTE SAUDADE! QUANDO MEU AVÔ MATAVA UM PORCO, ELE SEMPRE DEIXAVA UM PEDAÇO DE PRESENTE PARA SEU CLARO, A AMIZADE DOS DOIS ERA GRANDE DEMAIS. ME LEMBRO, QUE QUANDO MEU AVÔ SE FOI, EM 1976, SEU CLARO ME DEU UM FORTE ABRAÇO E DISSE-ME: MEU FILHO, SEU AVÔ ERA COMO SE FOSSE MEU IRMÃO E FOI A PESSOA QUE MAIS ME AJUDOU AQUI NESTA TERRA, POSSO DIZER QUE PERDI MAIS UM MEMBRO DA MINHA FAMÍLIA.

A MINHA MÃE CLEÓ, QUANDO CHEGAVA DA CANTINA DA MERENDA, SEMPRE TRAZIA CONSIGO ALGUMA COISA PRA ELE, MAS NAQUELE DIA, QUE SO TEVE MEU PAI COMO CLIENTE, ELE TINHA SAÍDO DA FEIRA MAIS CEDO. MINHA MÃE ENTREGOU ALGUMA COISA PRA ELE NA FEIRA SEGUINTE. SEU CLARO TINHA UM RECEIO MUITO GRANDE DE ALMOÇAR LA EM CASA, MAS MINHA MÃE SEMPRE ARRUMAVA UM JEITO DE MANDAR O SEU ALMOÇO. SEU CLARO VIVE SEMPRE NAS MINHAS LEMBRANÇAS, E AINDA QUERO COMPOR UMA MUSICA EM SUA HOMENAGEM, PORQUE QUERO ETERNIZAR EM FORMA DE CANÇÃO A HISTÓRIA DESTE PRETO VELHO QUERIDO QUE MARCOU DE FORMA POSITIVA OS TEMPOS DE MINHA INFÂNCIA. DEDICO À TODA A SUA FAMÍLIA ESTA SINGELA HOMENAGEM QUE AGORA EU FAÇO EM FORMA DE POESIA. AGORA, LEIAM O DEPOIMENTO DO MEU PAI EDIZIO MENDONÇA:

Eduardo Mendonça
Enviado por Eduardo Mendonça em 17/07/2009
Reeditado em 17/07/2009
Código do texto: T1703885