Becão
Todas as noites, ele ouvia o seu radinho. AM, sempre AM. E a programação variava a cada noite. Porém, sempre havia a hora musical.
Eu, do meu quarto, ficava ouvindo; queria ter a mesma sensação que ele tinha: a de dormir ouvindo a música tocar.
Claro que nem sempre conseguia ouvir direito; na maioria das vezes, só conseguia ouvir, quando a porta do seu quarto ficava aberta e, aí, era uma delícia.
Houve um tempo em que dormíamos juntos no mesmo quarto. Ele - meu pai -, minha mãe e meus dois irmãos. Éramos tão pequenos... Nem mesmo sei como cabíamos todos lá, mas foi assim.
A música, sempre antiga, e o noticiário. Os jogos insuportáveis de futebol e a máxima sensação de proteção que sempre senti ao seu lado. Junto de meu pai, eu não tinha medo de nada.
Lembro-me de inúmeras passagens ao seu lado, mas o que ficou mesmo na minha lembrança foi o seu sorriso e a sua alegria. Pudera eu, um dia, ser assim.
Para ele, tudo estava bom. Do jeito que estava era bom e, se melhorasse, piorava. Ele era fanático por futebol, apreciava, e muito, estar ao lado de seus amigos e de jogar um truquinho. E isso, ele não dispensava nunca.
Poderia ter sido o melhor em muitas coisas, mas nunca quis. Amava-nos muito e, por nós, faria qualquer coisa.
Foi um grande pai e, se pai eu for um dia, serei como ele foi para mim. Vou querer passar a mesma sensação de segurança que dele emanava, para que ninguém tema nada. Mas confesso que isso vai ser difícil, muito difícil.
Hoje, penso em seu radinho... Quantos ele teve!!!
Quando ligo o meu Ipod sintonizando as mesmas velhas canções, lembro-me dele. Quando ouço “Peito vazio”, de Cartola, meu coração chora. Talvez porque Nelson Gonçalves tenha gravado essa música. E Elyzeu era fã deste cantor.
“Nada consigo fazer quando a saudade me aperta / Falta-me a inspiração / Sinto a alma deserta / Um vazio se faz em meu peito / E de fato eu sinto em meu peito um vazio...”
Comigo é assim também, mas a música... ah, a música... Só ela consegue me acalmar.
Homenagem publicada no livro Viver: um jogo perigoso, de Márcio Martelli, Editora In House (2009)