A história nos obriga a escrever um livro, ter um filho e plantar uma árvore! Por esta simbologia temos a obrigatoriedade de deixar nossa história sem máculas para que as gerações futuras sigam-nos como exemplo e prolifere a nossa biografia irretorquível. Muita gente no Brasil e no mundo deixou uma obra; muitos a compraram e outros tantos a adquiriram naturalmente; o cearense Antonio Gonçalves da Silva é um destes predestinados que garantiram um lugar de destaque na história.
 
Diante de tantos Antonios, de tantos Gonçalves e de tantos Silvas, o nordestino Antonio Gonçalves da Silva teria que ter um pseudônimo, algo que lhe destacasse entre tantos brasileiros ilustres, então, este Antonio nasceu Antonio em 1909 e viveu Patativa do Assaré até 2002; o poeta popular, compositor, artista natural, cantor e improvisador, nasceu e morreu no mesmo chão, na mesma terra, no mesmo terreno que revela homens de fino labor, de brio máximo e de importância elevada para a cultura e a educação brasileira.
 
Uma das principais figuras da musica nordestina do século XX. Segundo filho de uma família pobre que vivia da agricultura de subsistência, cedo ficou cego de um olho por causa de uma doença. Com a morte de seu pai, quando tinha nove anos de idade, passa a ajudar sua família no cultivo das terras. Aos doze anos, freqüenta a escola local, em que é alfabetizado, por apenas alguns meses. A partir dessa época, começa a fazer repentes e a se apresentar em festas e ocasiões importantes. Por volta dos vinte anos recebe o pseudônimo de Patativa, por ser sua poesia comparável à beleza do canto dessa ave.
 
Indo constantemente à Feira do Crato onde participava do programa da rádio Araripe, declamando seus poemas. Numa destas ocasiões é ouvido por José Arraes de Alencar que, convencido de seu potencial, lhe dá o apoio e o incentivo para a publicação de seu primeiro livro, Inspiração Nordestina, de 1956.
 
 
Este livro teria uma segunda edição com acréscimos em 1967, passando a se chamar Cantos do Patativa. Em 1970 é lançada nova coletânea de poemas, Patativa do Assaré: novos poemas comentados, e em 1978 foi lançado Cante lá que eu canto cá. Os outros dois livros, Ispinho e Fulô e Aqui tem coisa, foram lançados respectivamente nos anos de 1988 e 1994. Foi casado com Belinha, com quem teve nove filhos.
 
Obteve popularidade a nível nacional, possuindo diversas premiações, títulos e homenagens (tendo sido nomeado por cinco vezes Doutor Honoris Causa). No entanto, afirmava nunca ter buscado a fama, bem como nunca ter tido a intenção de fazer profissão de seus versos. Patativa nunca deixou de ser agricultor e de morar na mesma região onde se criou, a Região do Cariri no interior do Ceará. Seu trabalho se distingue pela marcante característica da oralidade. Seus poemas eram feitos e guardados na memória, para depois serem recitados. Daí o impressionante poder de memória de Patativa, capaz de recitar qualquer um de seus poemas, mesmo após os noventa anos de idade.
 
A transcrição de sua obra para os meios gráficos perde boa parte da significação expressa por meios não-verbais (voz, entonação, pausas, ritmo, pigarro e a linguagem corporal através de expressões faciais, gestos) que realçam características expressas somente no ato performático (como ironia, veemência, hesitação, etc). A complexidade da obra de Patativa é evidente também pela sua capacidade de criar versos tanto nos moldes camonianos (inclusive sonetos na forma clássica), como poesia de rima e métrica populares (por exemplo, a décima e a sextilha nordestina). Ele próprio diferenciava seus versos feitos em linguagem culta daqueles em linguagem do dia-a-dia (denominada por ele de poesia "matuta").
 
Patativa transitava entre ambos os campos com uma facilidade camaleônica e capacidade criadora e intelectual ainda não totalmente compreendidas pelo meio acadêmico. Sua obra, de dimensão tanto estética quanto política, aborda diferentes temas e possui outras vertentes além da social/militante; como a telúrica, religiosa, filosófica, lírica, humorística/irônica, motes/glosas, entre tantas. As múltiplas tentativas de categorização da obra de Patativa do Assaré (muitas vezes subjetivas e sem base teórica) expõem falhas inerentes dos próprios parâmetros de julgamento. Estes, na maior parte, baseados em pressuposições e preconceitos que levam a dois extremos: a representação idealizada do mito, a exclusão pela classe social, nível de escolaridade etc.
 
Muita gente de expressão reverenciou Patativa ainda em vida; Fausto Nilo e Fagner foram os que mais faziam homenagens a este poeta do sertão; há quem contradiga, mas a canção Cajuína de Caetano Veloso, alguns dizem que é uma obra de Patativa e outros dizem que foi uma homenagem a ele.
 
“Existirmos: a que será que se destina? Pois quando tu me deste a rosa pequenina; vi que és um homem lindo e se acaso a sina, do menino infeliz não se nos ilumina; tampouco turva-se a lágrima nordestina; apenas a matéria viva era tão fina. E éramos olharmos intacta retina; a Cajuína cristalina em Teresina.”
 
Verdade ou mito, a canção é tão emblemática quanto os versos do poeta; tão forte quanto a força de suas palavras; tão singela quanto a vida de Patativa e tão pura quanto a própria alma do homem sertanejo, pelo qual Patativa tão prosou, versou e cantou.
 
Patativa do Assaré faleceu aos 93 anos; foi cantar em alguma galáxia e fazer a animação daqueles que já partiram e que padeciam pela sua ausência; em vida ele ganhou 25 prêmios importantes; lançou 12 livros e reuniu milhares de histórias numa biografia invejável que daria para plantar cem mil árvores; 1 milhão de livros e fazer nascer uma nação de filhos magnânimos.
 
Em 1989 eu fui ao Ceará e tive a honra de conhecê-lo; ao vê-lo ao longo da estrada de terra que chegava a sua quinta, tive certa palpitação, certo desconforto por estar diante de um mito, diante de um home sábio e honroso. 20 anos depois, eis aqui a minha homenagem ao homem que cantou e escreveu sobre a sua gente, sobre a minha gente, a gente do Nordeste.
 
Para encerrar, VACA ESTRELA E BOI FUBÁ, de Patativa do Assaré do Brasil...
 
Seu doutor me dê licença pra minha história contar.
Hoje eu tô na terra estranha, é bem triste o meu penar.
Mas já fui muito feliz vivendo no meu lugar.
Eu tinha cavalo bom e gostava de campear.
E todo dia aboiava na porteira do curral.
 
Ê ê ê ê la a a a a ê ê ê ê Vaca Estrela,
ô ô ô ô Boi Fubá.
 
Eu sou filho do Nordeste , não nego meu naturá
Mas uma seca medonha me tangeu de lá pra cá
Lá eu tinha o meu gadinho, num é bom nem imaginar,
 
Minha linda Vaca Estrela e o meu belo Boi Fubá
Quando era de tardezinha eu começava a aboiar
 
Ê ê ê ê la a a a a ê ê ê ê Vaca Estrela,
ô ô ô ô Boi Fubá.
 
Aquela seca medonha fez tudo se atrapalhar,
Não nasceu capim no campo para o gado sustentar
O sertão esturricou, fez os açude secar
Morreu minha Vaca Estrela, já acabou meu Boi Fubá
Perdi tudo quanto tinha, nunca mais pude aboiar
 
Ê ê ê ê la a a a a ê ê ê ê Vaca Estrela,
ô ô ô ô Boi Fubá.
 
Hoje nas terra do sul, longe do torrão natá
Quando eu vejo em minha frente uma boiada passar,
As água corre dos olho, começo logo a chorá
Lembro a minha Vaca Estrela e o meu lindo Boi Fubá
Com saudade do Nordeste, dá vontade de aboiar
 
Ê ê ê ê la a a a a ê ê ê ê Vaca Estrela,
ô ô ô ô Boi Fubá.
 
 
Carlos Henrique Mascarenhas Pires
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Enviado por CHaMP Brasil em 28/06/2009
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