The Best Man In The World
Não se preocupe... As coisas vão se encaixar.
Sei que você queria ter nos preparado melhor e que queria nos ver formados e conhecer seus netos. Imagino que você não queria ter deixado tanto trabalho para a sua amada e que queria continuar fazendo rir os teus dois garotos. É uma pena... Não... Pior, um pecado, que não tenham te dado a chance.
Foi rápido demais, na verdade. Você disse uma vez que Matusalém - o personagem biblíco que viveu mais de 900 anos -, ao ser interrogado sobre como foi viver tanto tempo, respondeu sabiamente que foi como se entrasse por uma porta e saísse pela outra. Você - e Matusalém - tinham razão. O pior? É que acontece o tempo todo.
Cada porta que se atravessa deixa passar uma infinidade de lembranças doídas que alimentam estas almas perdidas, porém cada porta a mais que se atravessa, mais luz se vê no final do corredor. Lembranças não são ruins, "recordar é voltar a viver" - você me disse - e é bom demais reviver cada simples momento, cada segundinho à toa.
Sonhei com você três vezes, desde então. Lembro claramente da primeira, eu levantei da cama e fui até a cozinha, a caminho da sua voz. Sem entrar na cozinha te vi sentado e sorrindo para alguém. Eu te perguntei o que havia acontecido e você me disse - com o melhor dos seus tons irônicos e olhando de esguelha para alguém - que minha mãe falava demais, "às vezes". Acordei sorrindo.
Sorrir, era o que você quer que eu faça, é óbvio. Embora seja difícil, eu até que me mantenho boa parte do tempo rindo. Há anos que não sentia uma lágrima. Incrível como é quente a lágrima, em tempos tão frios. A morte é fria - e eu a senti nos lábios em um beijo de despedida, a marca ficou. É quase confortante, não? Tudo o que provoca o choro é frio e causa uma sensação de vazio, como se houvesse um buraco negro sugando toda a vida... das nossas vidas! E a lágrima é tão quente... Como um consolo inóquo, mas que se esforça para aquecer. Todo esforço merece atenção.
A segunda vez que sonhei com você me deixou abalado. Você estava vindo do hospital para casa e eu estava feliz demais. Eu contava na escola que você estava de volta. Acordei sem você... Obviamente. Que vontade de chorar.
Vontades e mais vontades. Eu tenho vontade de estudar, tenho vontade de correr, tenho vontade de aprender a tocar piano, tenho vontade de mudar o mundo, tenho vontade de ser um pouquinho mais realista, tenho vontade de ser famoso, tenho vontade de falar alemão, tenho vontade de chorar... Quase morro de vontade de te ver de novo.
Passo vontade.
A terceira vez que sonhei com você foi simples. Eu acordava, no sonho, com o som de um celular tocando. Levantava e me dirigia até a sala, onde encontrava a vovó sentada no sofá que fica de frente para o televisor. Você estava deitado no chão. Você deitava no chão da sala quando estava muito calor - e eu adorava deitar em cima de você.
Minha mãe muitas vezes me dizia que eu dormia na sua barriga, quando eu era bebê, e que eu reclamava - a ponto de chorar -, quando você ia trabalhar. Agora eu nem tenho como reclamar. Lembro de quando eu tinha dores de barriga - tão dubitáveis quanto sapatos de papel em tempos chuvosos - e você me dava o remédio secreto, permita-me disponibilizar a receita ao mundo: coloque leite condensado até preencher 3/4 de uma colher de sopa, complete o que resta com groselha e, o segredo, coloque uma gota - somente UMA gota, diria você com um sorriso estampado na cara séria, UMA - de água.
Não conheço, até hoje, remédio mais gostoso.
A verdade é que eu aprendi, acima de uma infinidade de princípios, que rir é o que de melhor podemos fazer nessa vida. Você me ensinou do melhor jeito!... Me fazendo rir. Não existe e nem existirá em minha vida alguém mais importante que você. Eu posso dizer, com toda a sinceridade do mundo e com todo o brilho que meus olhos podem suportar, que você é o melhor pai do mundo.
O melhor homem de todos os tempos.
Eu costumo dizer que "a vida é só o tempo que temos para deixar nossa marca", mas como queria, do fundo da alma, que durasse mais.