ÉRAMOS QUATRO (Celismando Sodré - Mandinho)
ÉRAMOS QUATRO
( Celismando Sodré -Mandinho – 23/08/03)
Todos nós já tivemos uma turma, uma galera, ou sei lá o que se chama hoje; na adolescência e na juventude. Eu também tive a minha. Até hoje, nos meus momentos de nostalgia, lembro da minha turma com uma saudade imensa, como a lamentar o tempo que passou. Como a gente poderia imaginar, que sentiria tanta saudade do tempo que passou como se sente agora!. No início éramos quatro: eu e grande gozador chamado Bebeu, o contador de história, Nio Cola e o maluco beleza Gilson Véio. Iniciamos nossa vida de adolescente, como todo adolescente da época; jogando bola, banhando no açude, brincando de três solto, e assistindo filme no Cine União, roubando galinhas, badogando, além de outras coisas.
Uma das brincadeiras que a gente mais gostava, era jogar bola no antigo jardim da praça Nestor Coelho, era cada pelada ou racha que não raras vezes acontecia discussões e até briga. Como era difícil fazer gol naqueles bancos sem goleiro! O pior era quando estávamos no meio do jogo e chegavam os maiores querendo entrar; tínhamos que deixar senão o grandão acabava com tudo. Outra brincadeira que deixou saudade era o Esteja solto, que na verdade chamávamos de Três-solto, houve até o caso de Cacau de Aderbal, que se disfarçou de mulher, e quando todos já estavam preso ele salvou todo mundo, foi a maior algazarra.
Pescar no açude também fazia parte da rotina, saíamos pelas margens do açude de Barra do Mendes pescando tilápia, piau, traíra e outros peixes, tinha sempre aqueles que eram mais peritos na arte da pesca. E os times que tínhamos na época, era o Flamengo e o Vasco, a rivalidade era grande no momento do jogo, mais tudo acabava pouco depois do término da partida. Sim, havia também a briga da rua de cima contra a rua de baixo, ninguém podia passar um certo limite estabelecido, porque senão apanhava, e muito menino apanhou.
Como era legal aquela época! fizemos tudo que era próprio de todo adolescente, depois entramos na fase da busca pela autonomia; vieram as primeiras farras e namoradas, além das brincadeiras e gozações. Lembro uma vez que estávamos em Irecê, no quarto da república onde morávamos; num dia de folga, bebendo. Eu com a foto de Sueli, minha atual esposa, e Gilson Véi com a foto de sua paixão da época, quando Bebeu quis entrar e nós não deixamos porque ali só entrava que estivesse apaixonado, Bebeu disse que também estava apaixonado e nós pedimos a prova que era uma foto da sua paixão, como ele não tinha, não entrou.
Houve um tempo que o nível da gozação era tão violento que ninguém tinha coragem de contar uma piada, por melhor que ela fosse, quem se atrevesse era motivo de gozação pesada porque todos riam de forma escandalosa irritando o contador. Quantas brigas e reconciliações, quantos momentos de dúvidas e afirmações. Vivíamos em um mundo mágico, sem qualquer preocupação com o futuro e com a vida, andávamos pelas ruas e pelas roças(ah! As farras na cabana) sorrindo da vida, das coisas em volta e do mundo. Tudo era motivo para gozações. A vida era uma brincadeira gostosa de se brincar.
O tempo foi passando, e nós fomos crescendo, a turma foi aumentando e outros amigos foram aparecendo e formamos um grupo relativamente grande: Além do quarteto inicial vieram outros amigos: Gilberto de Bimba, Neto de Dizinha, Carlinhos de Pedrão, Zezinho meu irmão mais novo, Zé Filho, Jaílson, Marcos Adobão, Roberto Corró,Giovani, Simão, Laécio de Salú, Welton de Tonho Rocha, Sandro Piu, Van de Nita, Glauber, Nestor de Rui, os erogão etc. formamos uma turma de samba que vivia a farrear e sambar pelos bares, roças e praças de Barra do Mendes; tínhamos grandes sambistas, capazes de cantar sambas durante quase o dia todo com um grande repertório. Daí vieram os sambas com letras parodiando os habitantes de Barra do Mendes, vale ressaltar a criatividade e o talento de amigos como Neto de Dizinha, Bebeu, Carlinhos e Zezinho; como Dizia Nestor de Rui: “nunca vi tanto talento para arrombar com a vida dos outros”, João Marião, Nino de Timóteo, Edgar de Judite, Manizão, Napo e outros que os digam. Uma das coisas mais marcantes dos quais participamos foi do Erogão, uma escola de samba que participava dos carnavais da cidade nos idos dos anos oitenta. Uma das maiores expectativas para mim era esperar o carnaval para desfilar no Erogão e participar daquela festa.
Quantos sambas nós fizemos pelos bares da cidade, sempre com uma alegria e com uma criatividade descompromissada, fazíamos composições alegóricas e procurávamos curtir a vida, como a vida merecia ser curtida. De vez em quando coloco uma música daquela época e fico a relembrar os momentos que se foram e os olhos marejam. Como pode uma vivencia tão maravilhosa desta passar!
Filosoficamente falando, sou contra as implicações do destino, porque o destino com seu determinismo absoluto, nega a liberdade. Mas acho que eventualmente ele sopra, e ele soprou, mudando direções e caminhos e contribuindo para que a turma se espalhasse, os amigos foram ganhando o mundo, se casando, tendo filhos alguns para São Paulo, outros pra Salvador, Brasília etc, outros ficaram mais responsáveis e o tempo passou. Como disse Fagner em uma das suas músicas: “passa o tempo, e como muda o que eu sinto”... já não somos mais aqueles adolescentes do passado. Mas, ficou a saudade, essa, nada! Nada mesmo! Vai levar.
Como pode o vento espalhar um grupo tão grande de amigos e colegas na busca pelos seus próprios caminhos! Mas, a vida é assim. Nada é do mesmo jeito todo tempo. Os outros amigos, que não fazia parte do quarteto inicial, também foram afetados pelo sopro do vento do destino, alguns ganharam o mundo e se estabeleceram em lugares distantes, de vez em quando ouço notícias dadas por alguns parentes. Outros ficaram muito mais meus amigos do que antes, como é o caso de Neto, Simão, Glauber, Carlinhos, Van, Gilberto. Mas a vida é assim mesmo, eu não sou hoje o que era ontem, e nem serei amanhã o que sou hoje; o mundo vai girando nós vamos aprendendo, alguns vão ficando mais sábios.
Ainda hoje, quando vejo o filme Conta Comigo, lembro com saudade do quarteto inicial e dos outros que vieram depois; bate lá no fundo da alma uma nostalgia do
tempo em que éramos mais ingênuos e menos preocupados com a vida; do tempo em que ÉRAMOS QUATRO.
A vida muda, as coisas mudam e novas exigências aparecem nos nossos caminhos. Como disse o filósofo Heráclito: nada é, tudo esta sendo. E passado tantos anos, aquele velho quarteto inicial onde se encontra:
-O velho Nio Cola partiu para São Paulo, onde hoje trabalha, tem dois filhos, e sempre liga pra mim, reclamando que eu não ligo nunca pra ele. Pelo que noto nos telefonemas, não mudou muita coisa e ainda é fã dos Carbonários, ainda pensa que muita coisa poderia ser mudada na bala. Mais, por trás daquele coração de revolucionário, existe uma criança indignada contra as injustiças do mundo. Afinal como disse o velho Che Guevara: “ o verdadeiro revolucionário é movido por grandes sentimentos de amor”
-Já Bebeu Véi, continua aqui em Barra do Mendes, casado, um filho, sempre nos encontramos para conversar, trocar idéias e sorrir das coisas da vida, a sua filosofia é que a vida tem que ser levada na manha. Uma vez estávamos a contar piadas e histórias, a sorrir num bar, quando outra pessoa mal humorado que estava sentado em outra mesa, achou ruim, nos chamando de animadores de platéia. Como o ser humano é complicado! se incomoda até com a felicidade alheia.
-Já Gilson Véi... ah! Gilson Véi... houve uma época que você se afastou da turma, entrou num mundo só seu, eu olhava pra você, no seu comportamento de “maluco Beleza” como dizia o grande Raul Seixas, e ficava lembrando da frase de outro grande compositor baiano, Caetano Veloso quando ele disse: “todo mundo sabe a dor e a delícia de ser o que é”. Nós ficamos muito fora do seu universo, desconectado da sua realidade. Até hoje, fico tentando imaginar o que se passou na sua cabeça, quando veio aquela terrível idéia que o impulsionou para aquele ato extremo. As vezes fico me culpando por não ter previsto e ligado antes, quem sabe... uma palavra... Meu Deus!! Ilumine-o onde ele estiver.
A todos os adolescentes e jovens que possuem suas galeras