CONVERSA DE PESSOA PRA "PESSOA"
Ontem, assisti ao monólogo, "Encontro com Fernando Pessoa", no palco da Casa da Gávea, RJ. Encenado e escrito por Paulo César Oliveira, este ator/autor nos presenteou com uma bela atuação, a começar pela escolha dos textos de Pessoa, a forma coloquial como interpretou e a forma lúdica e divertida como se vestiu e brincou com o personagem ressaltando do grande poeta luso, toda sua genialidade dramática e melancólica. No final do espetáculo, Paulo César “Pessoa”, quis dar à platéia dois exemplares do livro “Mensagens”, único livro publicado por Fernando Pessoa, em 1934, um ano antes de sua morte. Aleatoriamente, escolheu duas pessoas na platéia para presentear com os livros e eu fui uma das sortudas premiadas.
Passei a noite pensando no quanto seria bom bater um papo com alguém tão inteligente quanto Fernando Pessoa. Resolvi então lhe fazer algumas perguntas e obter suas respostas dentro da literatura que ele nos deixou.
M.Q - Querido poeta, o que dirias hoje se soubesses que viraste um mito, um ícone da poesia portuguesa?
F.P - “O Mito é o nada que é tudo. O mesmo sol que abre os céus é um mito brilhante e mudo. O corpo morto de Deus, vivo e desnudo. (...)”[1]
MQ - Queres dizer que o Mito é um símbolo criado pelo homem para descrever metaforicamente a potencialidade de outro ser humano?
F.P - “Que símbolo fecundo vem na aurora ansiosa? (...) Que símbolo divino trás o dia já visto? (...) Que símbolo final mostra o sol já desperto? (...) Ninguém sabe a coisa que quer. Ninguém conhece a alma que tem. Nem o que é mal , nem o que é bem (...) Tudo é incerto e derradeiro. Tudo é disperso, nada é inteiro (...)”[2]
MQ - Sim, poeta, tudo nesta vida é tão incerto e disperso. É difícil até descobrir quem se é, ou ser alguém...
FP - “Não fui alguém, minh’alma estava estreita. Entre tão grandes almas, minhas pares, inutilmente eleita. Virgemente parada. (...)”[3]
MQ - Já disseste uma vez: ”Tudo vale a pena quando a alma não é pequena”. Às vezes é preciso transcender as regras, ser um pouco louco para que a vida valha a pena?
F.P - “Louco, sim, louco porque quis a grandeza. Qual a sorte a não dá. Não coube em mim a certeza(...) Minha loucura, outros que me a tomem. Com o que nela ia. Sem a loucura, que é o homem mais que a besta sadia? Cadáver adiado que procria?”[4]
MQ - Tens razão, mas não é fácil cair na tentação. Mas temos que fazer um esforço pois existe tanta coisa por fazer...
F.P - “O esforço é grande e o homem é pequeno. (...) A alma é divina e a obra, imperfeita. Esse padrão sinala aos ventos e aos céus que, da obra ousada, é minha parte feita. O por-fazer é só com Deus. (...)”
MQ - É um caso a ser pensado, nobre poeta. Fazemos planos pra o amanhã e esquecemos de ousar ser felizes hoje
F P - “Triste de quem é feliz! Vive porque a vida dura. Nada na alma lhe diz, mais que a lição da raiz, ter por vida a sepultura. (...)”[5]
MQ - Acreditas então que ninguém é feliz?
FP - “Ser descontente é ser homem. Que as forças cegas se domem, pela visão que a alma tem!”[6]
MQ - Sim, de certa forma, Freud também dizia que o homem, por ser animal desejante, será sempre insatisfeito.
FP - “ Quer pouco? Terás tudo. Quer nada? Serás livre. O mesmo amor que tenham por nós, quer-nos, oprimi-nos (...) É livre quem não tem, e não deseja. Homem, é igual aos deuses. (...)”[7]
MQ - Eu te amo, querido poeta, mas não quero te oprimir. Quero que sejas livre. Aceitas este amor?
FP - “Não sei se é amor que tens, ou amor que finges, o que me dás. Dás-mo, Tanto me basta. Já o que não sou por tempo, seja eu jovem por erro/, pouco os deuses nos dão. E o pouco é falso. Porém, se o dão, falso que seja, há dádiva. É verdadeira. Aceito. Cerro os olhos: é bastante. Que mais quero? (...)” [8]
MQ - Tu és tão franco que chegas a ser cruel, poeta. O meu amor não é fingimento. Amo-te porque te amo e só!...
FP: - “Ninguém a outro ama, senão que ama, o que há de si nele, ou é suposto. Nada te pede que não te amem. Sentem-te quem és, e és estrangeiro. Cura de ser quem és, amam-te ou nunca. Firme contigo, sofrerás avaro. De penas. (...)”[9]
MQ – Sim, este é um preceito também da psicanálise. O amor é basicamente narcísico. Amamos aquilo que o outro tem de nós mesmos ou aquilo que gostaríamos de ser e não conseguimos. Mas ainda acho que só com o amor nos sentimos grandes, completos.
FP - “Para ser grande, sê inteiro: nada teu exagera ou exclui. Sê todo em cada coisa. Põe quanto és no mínimo que fazes. Assim em cada lago a lua toda brilha, porque alta vive.(...)”[10]
MQ - Ah, querido poeta, se eu vivesse no teu tempo, quantas cartas de amor não te escreveria!
FP - “Todas as cartas de amor são ridículas. Não seriam cartas de amor, se não fossem ridículas. Também escrevi em meu tempo cartas de amor. Como as outras, ridículas. As cartas de amor, se há amor, têm que ser ridículas. (...)Mas, afinal, só as criaturas que nunca escreveram cartas de amor, é que são ridículas! (...)”[11]
MQ - Mas, afinal de contas, quem de nós não já foi alguma vez ridículo?
FP - “Nunca conheci quem tivesse levado porrada. Todos meus conhecidos têm sido campeões em tudo. E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil. Eu, tantas vezes irrespondivelmente parasita. Indesculpavelmente sujo (...) Toda gente que conheço e que fala comigo, nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho. Nunca foi, senão, príncipe – todos eles príncipes – na vida... Quem me dera ouvir de alguém a voz humana que confessasse, não um pecado, mas uma infâmia; Que contasse, não uma violência, mas uma covardia... (...)”[12]
MQ - Poeta, infelizmente o ser humano é assim: o que é bom, ele pensa que está dentro dele, o que não presta ele só enxerga nos outros. E o poeta, é sempre tão franco com seus sentimentos?
FP - “O poeta é um fingidor. Finge tão completamente, que chega a fingir que é dor, a dor que deveras sente. (...)”[13]
MQ - Então, o poeta é um mentiroso? (risos)
FP - “Dizem que finjo ou minto tudo que escrevo. Não. Eu simplesmente sinto com a imaginação. Não uso o coração. (...)”[14]
MQ - Que bom que você pôde expressar seus sentimentos com a voz da imaginação através da literatura . Que outras coisas te dão prazer, Fernando?
FP - “Ai que prazer, não cumprir um dever. Ter um livro pra ler, e não o fazer! Ler é maçada. Estudar é nada. O Sol doira, sem literatura! (...)”[15]
MQ - Obrigada pela prosa, querido poeta. Tu és e sempre serás um GRANDE!
FP - “ “Não sou nada. Nunca serei nada. Não posso querer ser nada. À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo! (...)” [16]
[1] Pessoa, F. Ulisses, in Mensagens, 1934, Lisboa, Portugal
[2] _____ Os Símbolos, in Mensagens, idem
[3] _____ D. João, Infante de Portugal, idem
[4] _____ D. Sebastião, Rei de Portugal, idem
[5] _____ O Quinto Império, ídem
[6] _______- Idem supra citado.
[7] Ricardo Reis, Odes Escolhidos, 1930, Lisboa Portugal, in Fernando Pessoa, Poemas Escolhidos, Co
leção Livros O Globo, pg.68.
[8] ______ Idem supra citado, pg.69
[9] ______ Idem, “ “ , 1932, pg72
[10]______ Idem, 1933, pg.72
[11] Álvaro de Campos, Poemas Escolhidos, in , Poemas Escolhidos de Fernando Pessoa, Coleção Livros O Globo, 1935, pg 133.
[12] _______ Idem, pg 135
[13] Fernando Pessoa Autopsicografia , 1931, in , Poemas Escolhidos, Coleção Livros O Globo, pg 176.
[14] _______-______ Isto, 1933, Idem, pg 177
[15] ______________ Liberdade, 1935, Idem, pg 178.
[16] Álvaro Campos, Poemas Escolhidos, Tabacaria, 1928,Idem pg 121
[2] _____ Os Símbolos, in Mensagens, idem
[3] _____ D. João, Infante de Portugal, idem
[4] _____ D. Sebastião, Rei de Portugal, idem
[5] _____ O Quinto Império, ídem
[6] _______- Idem supra citado.
[7] Ricardo Reis, Odes Escolhidos, 1930, Lisboa Portugal, in Fernando Pessoa, Poemas Escolhidos, Co
leção Livros O Globo, pg.68.
[8] ______ Idem supra citado, pg.69
[9] ______ Idem, “ “ , 1932, pg72
[10]______ Idem, 1933, pg.72
[11] Álvaro de Campos, Poemas Escolhidos, in , Poemas Escolhidos de Fernando Pessoa, Coleção Livros O Globo, 1935, pg 133.
[12] _______ Idem, pg 135
[13] Fernando Pessoa Autopsicografia , 1931, in , Poemas Escolhidos, Coleção Livros O Globo, pg 176.
[14] _______-______ Isto, 1933, Idem, pg 177
[15] ______________ Liberdade, 1935, Idem, pg 178.
[16] Álvaro Campos, Poemas Escolhidos, Tabacaria, 1928,Idem pg 121