C. L. III
Escrever era viver.
Ela queria amar como se vê: sem possuir, achegando-se. É preciso dissolver o possessivo. Escrever com corpo de mulher: que a mulher escreva seu corpo, que invente a língua inexpugnável que rebente muros de separação, classes e retóricas, regras e códigos.
A linguagem é o meu esforço humano. Por destino tenho de ir a buscar e por destino volto com as mãos vazias. Mas volto com o indizível. O indizível só me será dado através do fracasso da minha linguagem. Só quando falha a construção obtenho o que não conseguiu.
O mundo se me mira. Tudo mira a tudo, tudo vive o outro; neste deserto as coisas sabem as coisas. A vida se me é e eu não entendo o que digo.
Punha-se por cima dela. Superava o eu, e para não cair nos seus latejos, inventava a mão. Necessitava uma se: a mão que escreve.
Cega, andava a tentas.
Captei o espírito da língua. Mas eu que narro, quem sou?
Eu perdera as ideias.
Eu que escrevia com as entranhas, hoje escrevo com a ponta dos dedos.
Ela suprime com lógica a lógica, com a linguagem o que está para além da linguagem.
Escrevo-te em desordem sei. Eu não tenho enredo de vida?
Sou inopinadamente fragmentária. Sou aos poucos.
De alguma maneira devia de sentir que não pertencia a nada nem a ninguém. Com o tempo, perdi o hábito de ser gente. E uma espécie de solidão de não pertencer começou a invadir-me como a hera ao muro.
Estou absolutamente cansado da literatura; só a mudez me faz companhia. Se ainda escrevo, é porque não tenho nada mais que fazer no mundo enquanto espero a morte. A procura da palavra na escuridão.
Já não mais perto do coração selvagem. Ela estava na hora da estrela...
... Macabéa matou-me.
Desculpai esta morte.
DAR A MÃO A ALGUÉM SEMPRE
FOI O QUE ESPEREI DA ALEGRIA