EDUARDO E MÔNICA
Historinha baseada na música maravilhosa de Renato Russo (Legião Urbana)
Mônica não era a mais bela da classe. Mas a única que iluminava o quarto escuro de nossa mente. De tudo ela sabia e acabei me apaixonando como mais um tolo nesta legião urbana. Saímos algumas vezes em restaurantes e bares de Brasília e o máximo que consegui foram os beijos formais na face, naquele rosto fofo como papel de seda. E assim ficamos vários meses. Eu tentando, pelejando e nada.
Um belo dia (na verdade, um dia horrível), fiquei sabendo que Mônica estava saindo com um rapazinho bem mais novo que ela, e que ainda freqüentava cursinho. Meu Deus! Difícil acreditar. Só vim a crer no dia em que conheci Eduardo. Tentei conversar com ele. Não consegui. O moleque era mais burro que crocodilo indonésio . Não lia jornal, só assistia a filmes americanos do Steven Spíelberg e via até novela de televisão. Pensei com meus botões. “Mônica, diga-me que não é verdade.”
Era, no entanto. Custei aceitar a derrota. Só capitulei no ano seguinte quando o Eduardo passou no vestibular e o namoro deles já era firme como liga metálica. Não pareciam ser feitos um para o outro. Juntos, no entanto, eram como carbono e hidrogênio, feijão com arroz, Pelé-Coutinho. Este caso nem Freud explicaria.
Como a vida é mesmo tinhosa. Fiquei imaginando como seria o namoro deles. Mônica gostava de ver filmes de Jean-Luc Godard, lia poemas de Rimbaud e de Manuel Bandeira. Ouvia músicas de Caetano e dos Mutantes. E o Eduardo? Só lia itinerário de ônibus, se divertia com as pancadas de Arnold Schwarzeneger no cinema e desejava ser engenheiro.
Mônica estudava medicina, na minha classe por cinco anos e mais um ano no mesmo hospital onde fizemos a residência. Ela falava até alemão. E o Eduardo? Ainda procurava decorar o verbo to be, no curso de inglês.
Meu concorrente nem berço tinha. Era filho de um pobre candango de uma cidade satélite de Brasília. Diferente de Mônica e eu, que viemos de classes abastadas. Temos linhagem. O pai de Mônica era um famoso cirurgião e professor da UnB. Minha família foi uma das primeira a trocar o Rio de Janeiro pela nova capital no Planalto Central. Meu pai fez fortuna vendendo madeira e material de construção até montar sua construtora. Tinha trabalhado até para Oscar Niemayer e conhecia os melhores caminhos para vencer uma licitação do Governo Federal.
O velho queria que eu cursasse engenharia para ajudá-lo nos negócios. Ou me tornasse político, com o mesmo objetivo. Não quis. Deixei para o meu irmão mais novo. Sempre gostei das ciências biológicas. Quando moleque, no Rio de Janeiro, matava rã e sapo para abri-los ao meio e estudá-los. Sempre gostei de sangue. No bom sentido, é claro. Nunca tive medo em ver o líquido vermelho derramar do corpo de alguém, exceto do meu.
Voltemos a Eduardo e Mônica. Fui obrigado a tirar meu time de campo. O caso entre eles era inevitável como o ar seco de Brasília. Passaram a viver juntos e meses depois vieram os gêmeos.
O tempo passou. Formei-me e um ano depois mudei-me para São Paulo, onde está o dinheiro. Meu pai, rico como Midas, ajudou-me nos primeiros meses, no aluguel e na instalação de uma clínica própria no Morumbi, numa esquina da avenida Giovanni Gronchi, onde estou até hoje. A clientela foi chegando, chegando... Cirurgia plástica é o melhor produto da medicina moderna. Casei-me com a filha de um senador, amigo de papai, e também tenho gêmeos.
Eduardo e Mônica vêm a São Paulo uma a duas vez por ano. Ele tem uma tia que mora em São Miguel Paulista. Meu Deus, que pobreza. Mas o que esperar do Eduardo? Agora, formado em engenharia e trabalhando na empreiteira de meu pai, até que melhorou sua cultura. Pelo menos não vê mais novelas, mas continua gostando de filmes do tipo sai-de-baixo, com os musculosos da tela. Como lhe arrumei trabalho, ele agora come na minha mão. É a vingança em prato frio.
Por falar em comida, ele não consegue comer sem feijão e lê livros de auto-ajuda. Nessas vindas a São Paulo, eu os recebo em minha mansão no Morumbi. De sacanagem, peço para a cozinheira esquecer o feijão e depois digo: “Desculpe, Edu, acabou”.
Mônica continua a luzir, feito uma lâmpada com milhões de watts. Enquanto Eduardo bóia na piscina com as crianças, eu e Mônica relembramos os bons tempos de Brasília. Ela continua a conversar sobre qualquer assunto. Só tem um problema: trabalha em hospitais públicos. E o pior, gosta disso. Caramba, Mônica, seu pai pode lhe ajudar a montar sua própria clínica. Mas ela não quer. Ela me conta cada coisa que presencia nestes hospitais. Tudo história de pobre.
Você que me lê, talvez ache que eu seja petulante, metido a besta, convencido ou até mesmo reacionário. Provavelmente, esteja me odiando e achando o Eduardo ótimo. Bobagem. O brasileiro gosta de pieguice, do coitadinho, do humirde. Por isso, eu vivo em outro mundo. Não é à toa que Nelson Rodrigues disse que nosso povo (este nosso é só por recurso estilístico) tem o Complexo do Vira-lata. Assino em baixo. A única coisa que o velho Nelson não definiria é o amor entre os díspares Eduardo e Mônica. “E quem um dia irá dizer que existe razão nas coisas feitas pelo coração?.”