C. L. II

O que sinto eu não ajo.

O que ajo não penso.

O que penso não sinto.

Do que sei sou ignorante.

Do que sinto não ignoro.

E ajo como se

Me entendesse.

Descrevia ela o abismo que há entre o dizível e o indizível, e a necessidade humana de expressar o silêncio, numa escrita feita com a carne, na sua obra escrita com o corpo, com língua do sangue, dos fluídos e das descargas nervosas com as que se comunicam as distintas partes de um organismo vivo.

Analisar instante por instante, perceber o núcleo de cada coisa feita de tempo ou de espaço. Possuir cada momento, ligar a consciência a eles, como pequenos filamentos quase imperceptíveis mas fortes. É a vida? Mesmo assim ela me escaparia. Outro modo de captá-la seria viver. Mas o sonho é mais completo que realidade, esta me afoga na inconsciência. O que importa afinal: viver ou saber que se está vivendo? – Palavras muito puras, gotas de cristal. Sinto a forma brilhante e úmida debatendo-se dentro de mim. Mas onde está o que devo dizer? Inspirai-me, eu tenho quase tudo; eu tenho o contorno à espera da essência; é isso?

Onde o filósofo perde o alento, ela continua, vai ainda mais longe, mais longe que qualquer classe de saber. Filosofia sem palavras, seu reino é mais próximo do animal.

Ela escrevia buscando, quebrando-se, desconhecendo-se. Queria o segredo, mas nunca possui-lo, ainda que vivesse dele.

Se soubéssemos, não escreveríamos.

Viver doía. Viver era uma ferida aberta.

Eu não escrevo para me desafogar. Eu quero a coisa-em-si. Eu passo correndo através dos fatos. Estou sentindo uma clareza tão grande que me anula como pessoa atual e comum: é uma lucidez vazia. Estou por assim dizer vendo claramente o vazio. E não entendo aquilo que entendo: pois estou infinitamente maior que eu mesma, e não me alcanço.

O que não sei dizer é mais importante que o que digo.

Desprendera-se da necessidade de contar histórias, na procura da definitiva escola da simplicidade.

A realidade é a matéria prima, a linguagem é o modo como vou buscá-la e como não acho. As palavras me antecedem e me ultrapassam, elas me tentam e me modificam. Meu material básico é a palavra.

Escrever é uma indagação. Enquanto eu tiver perguntas e não houver resposta, continuarei. Este livro é uma pergunta.