Chico Buarque uma obra divina, de tão humana.
Chico é intemporal e universal.
A beleza lhe é cativa. E não sei se por obra de Deus ou da natureza, os olhos de Chico veem a essência: a mulher além da emancipação, o homem além do machismo, a puta além da pornografia, o mundo além dos interesses e estes além das boas ou más aparências. Na essência tudo é simples, verdadeiro e harmonioso, quer seja aqui, lá, na vida do pobre, do bacana, do amado ou do largado, tudo se iguala.
Aos doze anos ouvi pela primeira vez Apesar de você e me identifiquei, uma pré-adolescente sofrendo a opressão dos pais. Aos vinte, nova identificação, quando da derrota das Diretas já. Aos trinta lá estava a música a falar por mim, oprimida por um marido que não aceitava o fim do casamento. Ultimamente não sinto essa música, isso me amedronta, terei mudado de lado, de oprimida à opressora? Provavelmente sim. E o medo só aumenta ao idear que a próxima vez que me identificarei, será por algo incontrolável, doença de morte talvez. Que a tempo apareça uma canção ou poesia, que me ensine a lidar com isso.
Afinal, tantas músicas já me ensinaram, refletiram-me nas Mulheres de Atenas. Quando choro, sofro e perdôo àquele que amo, ou quando vejo quase terminada a luta de criar sozinha tantos filhos, e que mesmo assim, eles amam e admiram seus pais ausentes, penso que também compus essa canção.
Essa semana, tomei o objetivo, parar de chorar ao ouvir Minha história. A ouço três vez por dia e mesmo assim as lágrimas descem como se fosse a primeira audição. É a perfeição dos versos, a simplicidade da vida, o banal do amor, a humildade e resignação de Jesus, é tanta coisa junta, que não cabe dentro de mim e não sai por palavras, verte-se em água e molha a minha face também resignada.
O lado menos emotivo da minha natureza conseguiu debater com vários sobre: a que metáfora refere-se a frase desta música “Com seu único velho vestido, cada dia mais curto”. Eu acredito referir-se à mulher estar grávida. Alguns outros concluem que a frase diz sobre ela estar se prostituindo na beira do cais. Não é não. Naquele momento ela olhava o mar, abandonada e grávida, com um único vestido que parcamente cobria a barriga que crescia. A prostituição veio depois.
Na minha opinião, a ampla visão e a consciência da importância da beleza, intuo também que a determinação de ser e se sentir livre, independente do redor, culminaram na criação perfeita da obra de Chico Buarque, a qual, cada vez que estudo me pergunto: como sempre senti isso e mesmo assim não pude exprimir?
Rendo-me à genialidade que nos trouxe Geni e o zepelim, Valsinha e mais de quatrocentas outras. A miséria brasileira expressa em O meu guri, pra finalmente eu me identificar, olha aí?
Minto a vocês se assumir que Não sonho mais, com a sua próxima canção. Não citei Construção, pois foge-me qualquer capacidade de tecer argumentos que expliquem alguém rimar a partir de regras de acentuação e repetir tantas vezes as mesmas palavras não sendo repetitivo num único momento.
Chico Buarque sabe falar por nós, até hoje sobre as coisas que sei, quando morrer, talvez, chegarei à conclusão de até por aquilo que desconheço.
Convido-os a ler o ensaio do Ruy Castro: Chico Buarque fala por nós, lincado aqui.
Minha História
Chico Buarque
Composição: Lúcio Dalla / Paola Pallottino
Ele vinha sem muita conversa, sem muito explicar
Eu só sei que falava e cheirava e gostava de mar
Sei que tinha tatuagem no braço e dourado no dente
E minha mãe se entregou a esse homem perdidamente, laiá, laiá, laiá, laiá
Ele assim como veio partiu não se sabe prá onde
E deixou minha mãe com o olhar cada dia mais longe
Esperando, parada, pregada na pedra do porto
Com seu único velho vestido, cada dia mais curto, laiá, laiá, laiá, laiá
Quando enfim eu nasci, minha mãe embrulhou-me num manto
Me vestiu como se eu fosse assim uma espécie de santo
Mas por não se lembrar de acalantos, a pobre mulher
Me ninava cantando cantigas de cabaré, laiá, laiá, laiá, laiá
Minha mãe não tardou alertar toda a vizinhança
A mostrar que ali estava bem mais que uma simples criança
E não sei bem se por ironia ou se por amor
Resolveu me chamar com o nome do Nosso Senhor, laiá, laiá, laiá, laiá
Minha história e esse nome que ainda carrego comigo
Quando vou bar em bar, viro a mesa, berro, bebo e brigo
Os ladrões e as amantes, meus colegas de copo e de cruz
Me conhecem só pelo meu nome de menino Jesus, laiá, laiá
Os ladrões e as amantes, meus colegas de copo e de cruz
Me conhecem só pelo meu nome de menino Jesus, laiá, laiá, laiá, laiá
Obrigado, Chico...
Chico é intemporal e universal.
A beleza lhe é cativa. E não sei se por obra de Deus ou da natureza, os olhos de Chico veem a essência: a mulher além da emancipação, o homem além do machismo, a puta além da pornografia, o mundo além dos interesses e estes além das boas ou más aparências. Na essência tudo é simples, verdadeiro e harmonioso, quer seja aqui, lá, na vida do pobre, do bacana, do amado ou do largado, tudo se iguala.
Aos doze anos ouvi pela primeira vez Apesar de você e me identifiquei, uma pré-adolescente sofrendo a opressão dos pais. Aos vinte, nova identificação, quando da derrota das Diretas já. Aos trinta lá estava a música a falar por mim, oprimida por um marido que não aceitava o fim do casamento. Ultimamente não sinto essa música, isso me amedronta, terei mudado de lado, de oprimida à opressora? Provavelmente sim. E o medo só aumenta ao idear que a próxima vez que me identificarei, será por algo incontrolável, doença de morte talvez. Que a tempo apareça uma canção ou poesia, que me ensine a lidar com isso.
Afinal, tantas músicas já me ensinaram, refletiram-me nas Mulheres de Atenas. Quando choro, sofro e perdôo àquele que amo, ou quando vejo quase terminada a luta de criar sozinha tantos filhos, e que mesmo assim, eles amam e admiram seus pais ausentes, penso que também compus essa canção.
Essa semana, tomei o objetivo, parar de chorar ao ouvir Minha história. A ouço três vez por dia e mesmo assim as lágrimas descem como se fosse a primeira audição. É a perfeição dos versos, a simplicidade da vida, o banal do amor, a humildade e resignação de Jesus, é tanta coisa junta, que não cabe dentro de mim e não sai por palavras, verte-se em água e molha a minha face também resignada.
O lado menos emotivo da minha natureza conseguiu debater com vários sobre: a que metáfora refere-se a frase desta música “Com seu único velho vestido, cada dia mais curto”. Eu acredito referir-se à mulher estar grávida. Alguns outros concluem que a frase diz sobre ela estar se prostituindo na beira do cais. Não é não. Naquele momento ela olhava o mar, abandonada e grávida, com um único vestido que parcamente cobria a barriga que crescia. A prostituição veio depois.
Na minha opinião, a ampla visão e a consciência da importância da beleza, intuo também que a determinação de ser e se sentir livre, independente do redor, culminaram na criação perfeita da obra de Chico Buarque, a qual, cada vez que estudo me pergunto: como sempre senti isso e mesmo assim não pude exprimir?
Rendo-me à genialidade que nos trouxe Geni e o zepelim, Valsinha e mais de quatrocentas outras. A miséria brasileira expressa em O meu guri, pra finalmente eu me identificar, olha aí?
Minto a vocês se assumir que Não sonho mais, com a sua próxima canção. Não citei Construção, pois foge-me qualquer capacidade de tecer argumentos que expliquem alguém rimar a partir de regras de acentuação e repetir tantas vezes as mesmas palavras não sendo repetitivo num único momento.
Chico Buarque sabe falar por nós, até hoje sobre as coisas que sei, quando morrer, talvez, chegarei à conclusão de até por aquilo que desconheço.
Convido-os a ler o ensaio do Ruy Castro: Chico Buarque fala por nós, lincado aqui.
Minha História
Chico Buarque
Composição: Lúcio Dalla / Paola Pallottino
Ele vinha sem muita conversa, sem muito explicar
Eu só sei que falava e cheirava e gostava de mar
Sei que tinha tatuagem no braço e dourado no dente
E minha mãe se entregou a esse homem perdidamente, laiá, laiá, laiá, laiá
Ele assim como veio partiu não se sabe prá onde
E deixou minha mãe com o olhar cada dia mais longe
Esperando, parada, pregada na pedra do porto
Com seu único velho vestido, cada dia mais curto, laiá, laiá, laiá, laiá
Quando enfim eu nasci, minha mãe embrulhou-me num manto
Me vestiu como se eu fosse assim uma espécie de santo
Mas por não se lembrar de acalantos, a pobre mulher
Me ninava cantando cantigas de cabaré, laiá, laiá, laiá, laiá
Minha mãe não tardou alertar toda a vizinhança
A mostrar que ali estava bem mais que uma simples criança
E não sei bem se por ironia ou se por amor
Resolveu me chamar com o nome do Nosso Senhor, laiá, laiá, laiá, laiá
Minha história e esse nome que ainda carrego comigo
Quando vou bar em bar, viro a mesa, berro, bebo e brigo
Os ladrões e as amantes, meus colegas de copo e de cruz
Me conhecem só pelo meu nome de menino Jesus, laiá, laiá
Os ladrões e as amantes, meus colegas de copo e de cruz
Me conhecem só pelo meu nome de menino Jesus, laiá, laiá, laiá, laiá
Obrigado, Chico...