Chorar a morte de um aluno

Nenhum professor espera qualquer sentimento a mais de seus alunos quando começa a carreira. Na verdade, os colegas mais experientes ensinam que não se deve nutrir qualquer afeto que ultrapasse a relação professor-aluno, porque isso atrapalha o trabalho e não agrada aos superiores. Uma relação romântica entre professor e aluna ou professora e aluno é uma cláusula no contrato que deve ser assinado quando o emprego é aceito: expressamente proibida.

O que as pessoas não levam em consideração é que não se pode prever como os sentimentos vão se comportar quando uma relação desse tipo começa. Há alunos que insistem em manter a distância, porque estar numa sala de aula é uma simples obrigação, horas que poderiam ser passadas de maneira mais produtiva, mas há aqueles que gostam de você de verdade, que conectam-se à sua maneira de ensinar e enxergam em quem oferece uma simples explicação acadêmica um coração que bate como qualquer outro.

Eu sou jovem mesmo, mas tornei-me professora aos 17 anos e desempenhei esta função até os 23. Foram seis anos de aulas constantes, alunos diferentes, experiências novas, cidades e chefes distintos e amizades inesperadas. Houve alunos que viram em mim uma possível amiga e eu me senti realmente enternecida por ver que, na verdade, os colegas mais experientes estavam perdendo a melhor fatia da profissão.

Teve aluno que me procurou chorando por causa de um coração partido e queria saber de mim o que eu faria na mesma situação; teve aluno que foi sempre tão tímido e tão quieto, mas que me deu um desenho feito por ele mesmo e com todo o talento no dia em que soube que eu iria embora daquela cidade; teve aquela aluna que viu em mim mais do que eu sou e quis imitar minhas maneiras, minhas roupas e tudo o mais na tentativa de tornar-se alguém admirado; teve aquele que me comprou um presente para o dia dos namorados; teve aquele que me escreveu uma música; teve aquela que não quis ter uma aula regular, mas conversar sobre a mãe, que era tão ausente e que afetava visivelmente o empenho daquela pessoa em formação; houve os mais velhos do que eu uns 30 anos, que me deram conselhos sobre a vida e trocaram de posição comigo, e tantas outras histórias...

E teve ela. Era uma aula particular, mas que começou em dupla, quando ela apareceu com o marido cheia de vontade de entender o que era aquela língua diferente e disposta a tudo para alcançar seu máximo. Depois de um tempo, eles sumiram, trocaram de professor e de dia. Dois meses depois da última aula, a coordenadora me diz: "Ela disse que só fica se tiver aula com você". Não há honra maior para um professor! Rearranjei meus horários para tê-la de volta e, dessa vez, ela veio sozinha e cheia de idéias.

Enquanto aprendíamos juntas, ela me contou do plano que tinha de tornar-se aeromoça e que já estava matriculada num curso específico para aquele fim, que também estava cursando uma outra língua e me contava tudo o que aprendia de diferente nas outras aulas. Dividiu comigo as primeiras provas práticas e teóricas e eu dividi com ela métodos de estudo e desenvolvi um curso inteiro voltado apenas para o que ela precisava. Começávamos às 8:30, duas manhãs da semana e aproveitávamos ao máximo cada minuto.

Quando ela soube que eu iria embora do país, esboçou uma lágrima e desejou-me sorte na nova jornada. Era um desejo que vinha do coração mesmo, porque, após anos lidando com o ser humano, um professor sabe captar os sentimentos que são verdadeiros. Éramos duas mulheres desejando o melhor uma à outra, sabendo que talvez nunca mais teríamos outro encontro, mas que havíamos dividido o tudo que podíamos oferecer. Ela era apenas um ano mais nova do que eu e eu via naquela moça muito do que eu já tinha passado, e sabia que ela seria alguém de muito bem.

Hoje eu soube que ela voou pela primeira vez, na primeira classe e num vôo direto. Recebi apenas uma mensagem do marido, que dizia: "Infelizmente tenho que dizer que a Cláudia faleceu numa rodovia dia 4". A primeira reação que veio foi uma paralisação. Como assim? E todos aqueles sonhos, aquela alegria e vontade de subir na vida, às custas de muito esforço e dedicação?

Depois, eu chorei. Chorei como se chora a morte de um parente muito próximo, de um amigo querido que faz muita falta. Chorei, porque eu tenho a chance, ainda que limitada, de realizar o que quero nesta vida, mas ela não. Senti pena pelos anos que não vieram, pelos filhos que não nasceram, pelo dinheiro que não chegou ao bolso da menina cheia de esperanças. Aí, lembrei que tudo isso não conta no lugar onde ela está e que, provavelmente, ela está muito melhor do que eu aqui embaixo.

Escrevo em homenagem à Cláudia, que marcou minha carreira como professora e meu espírito como ser humano. Talvez ela esteja vendo agora que escrevo com lágrimas nos olhos e um peso no coração, mas com a esperança de que, algum dia, nós teremos uma conversa daquelas outra vez. E mais tempo.

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