Edécio Lopes, um amigo que parte
“Como tudo passa sobre a terra nós passaremos também. Talvez valha a pena perguntar: o que estamos deixando para ser lembrados? Que temos feito, quais são as nossas realizações que nos dignificaram junto aos que um dia se recordarão de nossas vida e passagem?O que restará de nós, para a saudade dos que ficam, quando nós formos, também, chamados de saudade, habitantes desse mundo com o qual sonhamos, sem saber ao certo, como é mesmo o outro lado da vida?” [Edécio Lopes - O Que Estamos Deixando Para Ser Lembrados.]
Quando um amigo se vai, a primeira reação é de tristeza. Embora tenhamos a consciência de que um dia faremos esta passagem, em nossos corações a ausência física de quem amamos é um sentimento que razão nenhuma apazigua.
Quando um amigo se vai, guardamos o que há de melhor em nossas lembranças, para que aos momentos partilhados sejam saudades, tesouro da amizade, do respeito e do carinho dispensados um ao outro nesta vida.
Edécio Lopes foi, para os alagoanos, mais que um amigo. Foi um mestre, um especialista divulgador de suas tradições. Pernambucano de nascimento, adotou Alagoas com o mesmo carinho com que o povo deste estado o adotou. Fazia parte das nossas vidas sua voz em ondas curtas ou médias, anunciando, informando, alegrando, entretendo. Por mais de quatro décadas foi mais que um “ESPECIALISTA EM BRASIL”, como bem o definia sua vinheta nos programas de rádio, foi um especialista em vida.
Seu amor e dedicação a comunicação, ao rádio, eram sua marca maior. Mas todo esse amor não foi o suficiente para que não fosse vítima de injustiças e desrespeito por parte do comando do Instituto Zumbi dos Palmares quando, com a truculência peculiar a quem pouco ou nada constrói, tirou do ar seu “Manhãs Brasileiras”, ícone da brasilidade mais pura no rádio alagoano.
Essa tristeza Edécio carregou consigo para o céu. Amenizava sua dor nas manifestações constantes do carinho de seus ouvintes de todas as idades. Muitos aprenderam com ele a gostar de frevo, de marchinhas, da música de raiz, dos cânticos de procissão, dos hinos de times de futebol, do autentico forró pé de serra, da música popular brasileira de todos os tempos, da música, linguagem universal.
Dono de uma inteligência e memória prodigiosa, era nossa “enciclopédia musical” viva. Quantas vezes, por telefone, não cantarolei trechos de música e pedi sua ajuda para lembrar autorias? Se Edécio não sabia, era por que não havia sido gravado.
Nos últimos anos, tínhamos sua presença em muitos momentos em nossa casa. Tom(Ronaldo Torres) digitalizava seu acervo, preciosidade de décadas, e era sempre um momento de aprendizado. Suas lembranças carinhosas do convívio com muitos ídolos da MPB, ao longo dos seus 75 anos de vida, dos quais 54 eram dedicados ao rádio, eram um presente para nós, meu companheiro e eu, aficcionados, fãs de música em toda sua expressão.
Dono também de um humor refinado, era um prazer ouvir uma entrevista feita por Edécio. Seus entrevistados acabavam falando além do assunto proposto.Tive a honra, por duas vezes, de estar com ele em estúdio e aquilo me pareceu uma festa, tal clima de descontração e bom humor, mesmo abordando assunto sério, como é a Educação.
Nos livros publicados (Voltando à Terra e Entardecendo), deixa-nos um legado de informações preciosas em relação ao seu modo de encarar a vida, coerente em sua religiosidade, em sua lealdade com os amigos, em seu amor à família. Nas suas composições musicais, o amor ao frevo, a Maceió, aos blocos carnavalescos.
Edécio se vai. Aliás, nos últimos tempos, só seu corpo físico estava conosco. Vitimado por um Acidente Vascular Cerebral que o tirou do nosso convívio desde agosto passado, lutou bravamente até esta madrugada. Sua lembrança, sua história, sua luta pela preservação da memória do rádio e das tradições do povo brasileiro, são nosso legado mais caro.
A Dina, sua companheira da vida toda, seus filhos e netos, expressão de sua alegria, nossa solidariedade, nosso carinho e a certeza de que gente como Edécio Lopes ficará para sempre em nossos corações.
“Que Deus abençoe nas nossas saudades, os que foram antes de nós e que nos receba em sua glória eterna quando estivermos vivendo na saudade dos que ficam.” [Edécio Lopes - idem, Entardecendo- págs 241, 242]