Ao meu PAI em seus 90 anos de nascimento

No dia 18 de dezembro, se não se tivesse encantado prematuramente, meu pai , Manoel Amparo Santos, estaria completando 90 anos de idade.

E como seria bom se nunca houvesse morte prematura; se as pessoas pudessem ter tempo para realizar grande parte dos sonhos possíveis e ainda sobrasse um tempinho para pensar nos sonhos imaginários, como um prêmio à extensão da vida ?

Você, meu pai, não teve tempo nem recurso financeiro para comemorar nem um de seus aniversários natalícios: tempo, porque trabalhava 365 dias por ano, de bem antes do despertar do sol ao seu adormecer, e dinheiro, porque ainda esperava a vida melhorar, o que, infelizmente, não aconteceu.

Como eu queria, meu pai, que você tivesse podido adoecer numa cidade maior onde houvesse mais recurso, onde os médicos se preocupassem mais em manter viva uma esperança de vida, onde ser pobre não significasse mais do que ser abandonado pela sorte.

Parece, meu pai, que o dia 2 de agosto de 1969 foi ontem, se pensarmos na evolução da medicina, dos medicamentos, das coisas.

Como hoje alguém poderia acreditar na morte de um ser humano por “intoxicação medicamentosa”, há menos de 40 anos?

Será, meu Deus, que até hoje ainda podem acontecer casos iguais ou parecidos? Não creio. Seria muito doloroso acreditar num absurdo tão degradante.

Parece, meu pai. que ainda posso escutar o som triste daqueles soluços que não amainavam, apesar dos remédios usados na tentativa de acalmá-los. Foram os três dias mais longos de nossas vidas.

E como os soluços ofendiam a sua lucidez, meu pai ?

Você não entendia, a nossa família não entendia, os vizinhos não entendiam e nem aquele “doutor” emprestado à nossa cidade natal não entendia a teimosia dos seus soluços, que resistiram até o seu último suspiro.

Hoje, meu pai, eu quero lhe dizer o quanto sentimos a sua falta nestes anos de ausência forçada por uma reles “intoxicação medicamentosa”, o quanto ainda vamos lamentar ao longo de nossas vidas por tê-lo perdido tão precocemente e o quanto temos pedido a Deus para guardá-lo em sua bendita morada, ofertando-lhe este modesto soneto :

Ao Meu Pai

Se não foste, meu pai, o mais perfeito

pai do mundo, ainda assim te condecoro.

Vejo-te isento de qualquer defeito,

dizendo, em prece a Deus, quanto de adoro ...

Porque sei que a maldade e o preconceito

fecharam teus caminhos — e o deploro:

trocaram a alegria do teu peito

pela tristeza que, ao lembrar, eu choro.

Mas, após tua eterna despedida,

percebendo que em toda a tua vida

tiveste tão-somente desenganos,

há de Deus aplacar-te as cicatrizes,

pois sabe que as pessoas infelizes

se tornam tristes ao passar dos anos !...

Maria Nascimento Santos Carvalho

Maria Nascimento
Enviado por Maria Nascimento em 24/12/2008
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