MAURO CARDOSO DOS SANTOS: um exemplo tocantinense

Cada ano nos leva parte de nós. 2008, para mim, foi o mais trágico: perdi Mauro Cardoso dos Santos, meu pai.

Maranhense, de Sambaíba, que respirava “tocantingênio”. Chegou a Araguaína quando esta acabava de nascer. Instalou-se na rua Sadoc Correia, 154, bem na esquina com a Cônego João Lima. Do seu jeito, carregava uma Esperança de dias melhores para a família. Casado com Carmozina Moura Cardoso, tiveram nove filhos.

Lamentava não ter podido estudar muito, mas sentia profundo orgulho da educação do seu tempo. Quantas vezes o ouvi enaltecer a figura de seu professor de português, pastor Jonas. Quantas vezes desbaratava contas complicadas, quantas vezes nos ensinou história, geografia e política recorrendo apenas à memória, sem, é claro, desprezar a perspectiva crítica. Seu Mauro era muito inteligente. Encaminhou os filhos nos estudos. Eu mesmo, em 1979, ainda menino, fui enviado ao Rio de Janeiro – Internato Batista - para estudar, não mediu esforços. Escolheu um grande centro de verdade, por saber da importância disto para a ampliação de meus horizontes culturais.

Foi fotógrafo, alfaiate, comerciante e motorista de táxi. Nesta profissão, passou a maior parte da vida. Quem, em Araguaína, não conhecia o seu Mauro do fusquinha? Este velho companheiro lá estava presente nos últimos momentos do amigo. Posso até imaginar a emoção dele ao passar, pela última vez, ao lado de quem só se separou por razões de doença.

Papai admirava a Arte, o belo. A coisa bem feita, o dom desenvolvido com sabedoria e magia. Por ter vivido num tempo de futebol graça, acabou se tornando botafoguense. Sim, aquele Botafogo extraordinário de Garrincha e companhia. Gostava da boa música, aquela que nos eleva, nos põe em contato com o superior. Cresci ouvindo Vicente Celestino, Chico Viola, Nelson Gonçalves, Altemar Dutra, Luiz Gonzaga, Teixeirinha, Padre Zezinho e tantos outros. Adorava aquele tipo de humor ingênuo, que não apela a baixos instintos. Toda a família ouvia as piadas de Ludugero e de Barnabé. Dele, jamais escutei um palavrão.

Terreno no qual era imbatível é o ético. Sua palavra não carregava dubiedade, o sim era sim; o não era não. Não se importava com as conseqüências deste caráter. Para papai, princípios são âncoras que dão sentido, razão e norte ao viver, logo, não devemos ceder.

Não chegou a ser político, contudo, foi convidado para exercer algumas funções públicas em Araguaína. Na gestão do prefeito Dr. Raimundo Gomes Marinho, foi secretário geral da prefeitura e diretor do DIPA. Época de plena ditadura militar, de perseguições, prisões e o diabo a quatro. A integridade moral de meu pai ajudou no bom transcorrer das coisas. Sequer uma agulha era retirada da prefeitura sem os procedimentos corretos. Em síntese, do jeito que entrou (pobre) papai saiu.

Foi um dos fundadores do então MDB. Aquele que fazia, de fato, oposição ao regime autoritário. Aquele de Ulisses Guimarães. Nas ruas, nas praças, em qualquer lugar, meu pai ousava criticar duramente a ditadura, não admitia tamanho descalabro. Um fato que me marcou bastante foi sua insistente louvação a um tal de Lamarca. Certo dia, mostrou-me um exemplar da revista Cruzeiro no qual se reproduziam fotos do assassinato do capitão. Não me disse nada, nem precisava. Entendi a lição.

Papai era profundo admirador de pessoas inteligentes, sábias, que não fogem à luta, que brigam por seus ideais, que tenham reais sensibilidades sociais, consciência política e respeito a Deus. Sequer foi simpatizante do comunismo; era, na verdade, um sonhador que desejava outra forma de organização onde possamos estar bem. Por isso, foi pioneiro na luta pela criação do estado do Tocantins, desde os primeiros momentos. Com uma diferença em relação a muitos: seu único interesse era ver esta nossa terra avançar, progredir. Transformar-se num lugar de oportunidade para todos.

Algo que o deixou deveras revoltado foi perceber que um bando de picaretas a outra coisa não aspirava, com a emancipação do estado, senão lograr êxito material. Por todos os lados, estão eles, instalaram-se nos órgão públicos, em outras áreas, e, por vias indiretas, metem as mãos no erário. Quantos não estão aí, de terno e gravata, perfume francês, falando suave, dizendo-se “zelite”, que não passam de canalhas encapotados? Quantos? Cínicos, nos enfitam e sapecam: “Que mal fizemos?”

Papai Mauro Cardoso, sua grandeza, como já disse, não estava em palavras. Sua grandeza estava na honradez, na inteligência, no caráter, no desprendimento e nas realizações. Sua pedagogia nos revelou este mundo como ele é. Nos momentos certos, foi aconchego, foi trabalho, foi bondade, foi conflito. Com o senhor, aprendemos que, em meio às batalhas da vida, jamais percamos a dignidade. Valeu, meu pai, valeu!!!