Os anjos estão entre nós
Ela me contou que quando pediu ao prefeito um terreno para construir casas para famílias pobres, uma pequena vila, ele achou estranho e resmungou ironicamente:
- Mas a senhora quer construir uma vila para vagabundos?
- Não senhor, protestou ela com o dedo em riste. Vamos dar uma ajuda inicial, para que eles possam se estabelecer, criar laços e raízes até que estejam preparados para seguir em frente por si mesmos. Iremos ajudá-los a encaminhar seus filhos a fim de que possam descobrir a importância da educação e criar oportunidades de transformar suas vidas. Senhor prefeito, disse ela, esta é uma forma que vemos como possível pra quebrar o ciclo da pobreza absoluta. Vamos aprender juntos!
-Ah! Mas a senhora não irá conseguir!
-O senhor verá replicou ela. Desta vez ela sentiu que estava prestes a convencer o prefeito, quando então ele percebendo sua persistência bradou para seu secretário:
- Coloque em votação na câmara a doação de uma área ao lado do cemitério. Naquele tempo o cemitério era um pouco retirado da cidade e as terras em volta não tinham valor de mercado. Ela respirou aliviada e com entusiasmo retrucou:
- Excelente prefeito! Os pobres não têm medo de almas de outro mundo.
Assim nasceu a vila João Lázaro, mais conhecida na cidade como Vila dos Pobres. Hoje a vila cresceu e conta muitas casas mais e já ajudou centenas de famílias ao longo de sua história, inclusive a minha.
Foi lá que eu vivi por alguns anos em minha infância, e foi um dos períodos mais felizes da minha vida.
Aquela senhora me contou por mais de cinco vezes esta história sempre como se fosse a primeira vez, sempre com o mesmo entusiasmo. Em todas às vezes uma ternura imensa emanava do seu olhar.
Subitamente ela me perguntava:
- E você quem é?
- Eu sou o Grácio filho da dona Santinha.
- Ah! A santinha minha grande amiga!
Segundos depois ela já tinha esquecido meu nome e por várias vezes repetia a mesma pergunta:
- Mas você quem é?
E a cada resposta minha ela se surpreendia e demonstrava grande alegria em saber quem era eu.
Disse-me ela:
- Filho faça o bem sempre que puder. Sabe de uma coisa? Você vai descobrir que poderá sempre.
Ela perdeu sua memória recente, mas o passado a ampara. E ela tem
muitas histórias lindas para contar!
Segurei-a pelo braço e convidei-a para visitar a vila que ela fundou.
Foi um belo passeio ao sol naquela manhã de setembro.
Homenagem a Dona Nair da Silva Prado
Santa Rita do P. Quatro.