ALEGORIA FANTÁSTICA DE UMA REALIDADE COTIDIANAMENTE URBANA AO POETA DOS POETAS URBANOS
ALEGORIA FANTÁSTICA DE UMA REALIDADE COTIDIANAMENTE URBANA AO POETA DOS POETAS URBANOS
Ontem foi noticiado em rede nacional o falecimento do poeta dos poetas urbanos que tinha casa, amigos e família, mas ninguém deu a mínima atenção devida para este fato.
Ontem eu vi um cão vira-lata perambulando, solitário, na madrugada da rua, latindo para sombras que se escondiam atrás dos postes, e era visível o cansaço estampado em seu semblante, desfigurado pelo tempo que não pára pra ele e nem pra nós podermos descansar. Fui dormir como dorme os drogados: pesados, sem sonhos e inquietos.
Hoje pela manhã me senti dependente de todas as coisas, menos de mim, mas não consegui sair de casa, com medo de não poder refletir no espelho do retrovisor do carro...
Mas permitir-me escrever e fazer de conta que não sou dependente de quase nada, a não ser deste caderno, desta caneta, e de mim mesma.
Bendita hora maldita que abri os olhos pela manhã; seria preferível que ninguém acordasse...
Peraí! Mas quem fará as coisas? Quem pagará as contas? Quem? Quem? Quem?
É melhor não pensar nas impossibilidades, e sim nas possibilidades.
Mas, perdoe-me a ignorância descarada, que está tentando se esconder de todos os olhos que a cercam. Perdoe-a, pois desculpe, mas tenho que ir ao banheiro, é que estou apertada, com licença, já volto...
...! ...! ...! ...?
Desculpe-me a demora, é que a descarga do vaso sanitário emperrou, mas onde paramos mesmo? Ah! Tudo bem, agradecida.
Devemos hoje em dia, principalmente o dia de hoje, tentar nos lembrar e refletir sobre quantos cães morreram, e morrem sozinhos, nas madrugadas frias das ruas ou em suas casas. Quantos poetas já morreram sozinhos, ou na companhia da sua fiel amiga, solidão ou de familiares.
Estou fazendo estes questionamentos, porque ontem foi noticiado o falecimento do mais urbano de todos os poetas, e não foram dadas as devidas honrarias para com este, que ninguém nunca sequer escreveu um TCC, uma Monografia, ou uma Tese falando de suas poesias.
Mas, como dizem por aí “poeta bom, é poeta morto”, isso é burrice, gente! Que me perdoem a memória dos que já tinham ido antes de eu nascer, desculpem-me! Mas eu não acho certo que escritores, contistas, sonetistas, trovadores, repentistas, e todos os artistas em geral, mas em particular os poetas, morram sem nunca terem sido ovacionados de pé, por sua obra escrita. Eu protesto contra essa prática vã, mesquinha, sorrateira, cruel, discriminadora e criminadora, praticada pela maioria dos ineptos, os neoliberais, os ditadores, os direitistas e os esquerdistas da “sociedade”.
Manifesto o meu repúdio a esta prática do esquecimento! A este descaso, que tem que ser visto como um caso de saúde pública. Esta prática que é mais uma praga urbana. Aqui deixo registrado o meu descontentamento com a desmemorização dos nossos patrimônios vivos e mortos, que são deixados ao relento da história. Isto é uma covardia! É uma amputação a sangue frio, de parte dos bens da nossa história. É isso aí!
Agora durma eternamente, meu poeta dos poetas, o mais urbano dos urbanos! Que eu fico velando teu sono e tuas memórias, até que eu durma também. Até breve, meu poeta dos poetas. Fique em paz.
ANNA VOEGG
Para quem, em vida, se chamou “Seu Domingos” o poeta dos poetas urbanos, do bairro da Terra Firme, em Belém do Pará, falecidos em 20 de outubro de 2008, dia do POETA. E foi noticiada a sua morte em rede nacional, mas ninguém viu.
Marituba 22/10/08.