O MEU PAI
No Dia dos Pais do ano passado, eu quis dar um presente diferente ao meu pai. Escrevi uma pequena crônica chamada “Os olhos do meu pai”, anexei uma fotografia que havia tirado dele e mandei fazer um banner. Ficou muito bonito. Não me lembro porque não pude ir visitá-lo no dia dele, e enviei o presente pelo correio, tendo sido entregue na segunda-feira. Este ano, meu pai quase nos prega uma peça... Neste mês de julho, quase que se apaga a luz dos seus olhos azuis... Depois de ter tido alguns quadros de isquemia cerebral transitória, apresentou no começo do mês uma situação pior, com agravação progressiva do quadro. Amiudamos nossas visitas, e cada vez que íamos vê-lo, voltávamos desanimados, com a sensação de que ele não sairia dessa... A cada dia ele estava mais distante, não reconhecendo as pessoas, os antes lindos olhos azuis baços e desconectados...
Triste o papel do médico quando se depara com um ente querido numa situação dessas... Em visita a ele, chamei o colega que o está assistindo para uma troca de idéias. Ele estava piorando dia a dia, cada vez mais distante, cada vez contactando menos com o ambiente. Achei-o desidratado. O colega, que estava há pouco tempo no caso o achou muito “apagado”. O outro colega, que conhecia o caso há mais tempo, estava viajando.
Nova internação, cancelamento de minha viagem de férias. Expectativa.
Internado, optou-se por suspender a medicação em uso, observar, hidratar.
Em nova visita, ele ainda no hospital, encontro-o melhor. Seus olhos já brilham, e ele, que havia perdido totalmente a capacidade de falar, já diz qualquer coisa.
Fico mais aliviado. Afinal o que parecia ser uma seqüela de um AVC, parece ter sido uma intoxicação medicamentosa...
Ao voltar na próxima semana, grata surpresa! Encontro-o em casa, sentado, conversando! Dizendo coisas coerentes, perguntando pelas pessoas, e já querendo andar! Agora está até perigoso, pois, com suas pernas trôpegas, quer caminhar, e eu lhe digo: “vá devagar, use o andador”. Mas ele quer “ir para o terreiro”, e eu digo a ele que é noite, está escuro, e ele responde que mesmo assim, quer “sacolejar um pouco”, e começa, com o andador, a passear pela casa...
Emocionado, pego o telefone e coloco-o em contato com meus filhos que não estavam conosco na casa do avô, e ele conversa com eles, reconhecendo as suas vozes, chamando cada um pelo nome, abençoando...Não consigo conter as lágrimas...
Este ano, com três semanas de antecedência, meu pai nos deu um presente pelo Dia dos Pais: o seu retorno ao nosso convívio, quando já o acreditávamos perdido!
E que cada um de nós possa valorizar essas pessoas que na nossa história têm importância capital: nossos pais, não somente no segundo domingo de agosto, mas em todos os dias de nossa vida. Homens que lutaram por nós, e que além de ter-nos proporcionado a vida, fizeram com que se concretizassem sonhos, muitas vezes à custa de privações por nós nunca imaginadas. Presenças muitas vezes silenciosas, porém perenes, e muitas vezes u’a mão forte a nos puxar dos abismos em que na nossa inexperiência nos atiramos... Conselho não pedido, mas dado de coração, orientação baseada em experiência, bronca necessária e nem sempre compreendida...
Esses são nossos velhos pais, os que ainda temos a alegria de ter conosco. Pais que nem sempre compreendemos, mas que hoje, ao assumirmos o seu papel, passamos a conhecer melhor, porque como filhos, também questionamos as atitudes que ao longo de nossa vida, principalmente na juventude, nos desagradaram.
E que essas palavras sirvam também para um momento de reflexão para aqueles que não têm hoje os seus pais ao seu lado... Que não haja remorso, mas entendimento nunca tardio de atitudes que possam ter ficado sem compreensão, com a certeza do perdão, pois onde quer que estejam esses homens, eles velam por aqueles que eles geraram e amaram mais que sua própria vida...
Hermes Falleiros
Franca, 21 de julho de 2008