Padre Guilherme

Às vezes eu acho que sou uma criatura privilegiada, pois ao longo da minha vida tenho encontrado pessoas que muito contribuíram na minha personalidade. Por que todos têm limitações, são compensados de alguma forma, como eu, para que seus horizontes não sejam muito estreitos.

Eu ainda não tinha sete anos e fui estudar na Capela de São Roque os seis meses que faltavam para que eu pudesse ingressar no 5o Grupo Escolar. Nesse tempo que eu fiquei na capelinha, como era carinhosamente chamada por nós, aprendi a ler e a escrever com duas Irmãs maravilhosas: Irmã Rita e Irmã Margarida. Eram a bondade e a paciência encarnadas. Aprendi muito com elas, dando os primeiros passos nas letras e também na arte religiosa. Eu acho que todas as crianças, na idade que estão descobrindo o mundo deveriam ter duas mestras como aquelas.

E ainda tinha uma grande alma que nos dava aulas duas vezes por semana: o Padre Guilherme, um holandês de quase dois metros que além de nos ensinar, rezava missas lá na Capela de São Roque, e sempre pedia a dois meninos que o ajudassem na missa.

Ele era muito bom e alegre e gostava de conversar com os alunos, e com uma memória fabulosa, pois chamava a todos pelo nome.

Terminado o ano de 1941, eu fui para o 5o Grupo Escolar, na Rua 24 de Maio, a 100 metros da igreja de São José, onde o Padre Guilherme era o titular religioso, e eu nunca perdi o contato com ele.

Terminada a minha fase no grupo fui receber o meu diploma primário, no salão nobre da Igreja de São José, onde estavam várias autoridades de ensino para a entrega dos diplomas.

Mas para a minha surpresa, quem entregou o meu diploma foi o Padre Guilherme. Ele me cumprimentou e disse no seu modo meio holandês de falar: “A menino Laércio, esta está a ser uma dia muita feliz para o seu mamae e para a sua papai”.

Ai eu ia aos domingos na missa das 8 horas e era ele o celebrante. Passados alguns anos, quando eu já estava com 16 anos, fui a uma das quermesses que eram realizadas ao lado da Igreja quando em dado momento senti uma mão no meu ombro que disse: “A moço Laércio está comprando as rifas dos meninas”. E foi com grande emoção que depois de tanto tempo ele ainda me chamou pelo nome.

Depois de um abraço fraternal nos despedimos e parecia que seria a ultima vez que iríamos nos encontrar. Logo depois entrei na Cia Mogiana de Estradas de Ferro quando o meu tempo de folga era muito reduzido, na carreira de foguista que eu abraçara. As folgas eram raras.

Quando da ocasião do meu casamento, eu que havia sido batizado, crismado e tinha feito a Primeira comunhão na Igreja de São José, não pude casar lá por que teria de obedecer às ordens do Clero, e casar na Igreja onde a minha querida Lucy pertencia, que era a Igreja de Santa Catarina, do Padre Benedito Luiz Pessoto, outra criatura maravilhosa.

Mas antes do casamento eu fui até a Igreja de São José pedir uma cópia do batistério, esperando encontrar o Padre Guilherme, mas fui atendido por outro padre que disse que o Padre Guilherme estava afastado para tratamento de saúde.

Hoje eu fico me lembrando daquela figura bondosa com todos, que todas as manhãs caminhava ate a Capela de São Roque, sempre dando uma palavra de amor a todos os que o paravam. Partiu para Deus mas deixou atrás de si uma esteira de luz, de caridade, de trabalho e de amor.

Laércio
Enviado por Laércio em 29/07/2008
Reeditado em 29/07/2008
Código do texto: T1102790