JUDICAEL PAMPONET PIRES - MEU AVÔ

Judicael Pamponet Pires, este é o nome dele; o nome de um verdadeiro Lord sertanejo que de polido só levou a retidão do caráter desde aquele 28 de fevereiro de 1910 quando nasceu no interior da Bahia. Um vaqueiro de muitas boiadas, muitas noitadas a sombra de alguma lua incandescente que ilumina seus caminhos por estes 98 anos; quase um século; várias vidas embutidas numa só.

Este cavaleiro dos sertões, que não escreveu nenhuma obra literária, mas fez história perante seu povo é meu avô, pai de meu pai; Vovô Cael, como carinhosamente todos os seus netos o chamam é e sempre será uma lembrança gostosa na vida de todos nós que convivemos com ele nos Cafundós do Judas; numa terra entre o nada e o lugar nenhum, pedregosa e árida, mas que se acostumou a parir gente de muito valor, de igual valia a este ancião querido; numa gleba entre Ipirá e Baixa Grande, fazendo divisa com Pintadas. De norte a sul, leste a oeste daquelas redondezas, por onde quer que se passe, quando se fala no nome de Judicael Pamponet Pires ou da Fazenda Bom Sucesso, há de se esperar guarida e crédito.

Eu sou contra a qualquer tipo de homenagem póstuma e aproveito a pouca vida que lhe resta para prestar-lhe a minha, isolada, mas sincera, pequena, mas de grande valor sentimental.

-Sei bem Vovô Cael que estamos prestes a perder-lhe para o convívio Divino. Sei que o Senhor fez tudo que pode nestes quase 100 anos e hoje, acomoda-se desequilibradamente no leito de uma cama, aliás, instrumento que pouco sentiu a sua presença devido à faina dura dos homens da sua terra; mas quero deixar registrado para o sempre que em todos os momentos de minha vida, seja nos bons ou nos piores, eu sempre tirei de alguma forma as lições que sempre me ensinaste.

Jamais esquecerei as manhãs, tardes e noites, quando tínhamos alguma oportunidade de conversar no alpendre de sua varanda, sentados no velho banco de madeira de lei, aquele que resiste perseverantemente a mesma proporção de sua vida, para vermos as ovelhas passar em direção ao curral; dos nossos almoços na mesa da copa, quando o Senhor terminava e gentilmente passava a faca numa lasca de pau para me oferecer um palito; dos seus sermões intermináveis por conta de minhas diabruras inquietantes. Não poderei jamais esquecer, enquanto for vivo, de seu convívio de parcimônia com minha avó Dete; de meu pai escondendo o cigarro para que você não percebesse. Como posso esquecer os dias de sol; das palmas; das nossas caminhadas em direção a roça; dos tiros de espingarda; de suas lições antigas de preservação ambiental; da velha Bom Sucesso que já perdeu uma vida e agora espera impiedosa a sua saída.

Vovô! Esquecer de você é esquecer de mim. Não gosto de vê-lo naquela cama, balbuciando palavras sem nexo, mas sei que isso é o destino irremediável. Não sei se sentes dor ou se este nada que aparenta estar o conforta, mas afirmo que sofro ao vê-lo como está. Ver um homem que teve 90 anos de atividade plena se esvaindo da maneira que você se apresenta, me deixa triste.

Queria muito tê-lo até meu ultimo suspiro, mas vejo que é quase impossível, Velho Cael! Se existir céu, por favor, prepara de alguma forma um lugar pra mim, ao seu lado, pois ainda quero vê-lo, senti-lo e poder te pedir mais uma vez a benção.

Se você se for antes do que eu, não irei ao seu funeral. Eu não suporto ver os meus queridos amigos presos entre quatro tábuas. Não vi e não verei nenhum! De você, quero apenas recordar as boas lembranças que vivemos e é desta forma que eu pautarei minha conduta; desculpa-me...!

Sei que estou te perdendo aos poucos e não pedirei para resistir nem mais um minuto, por um motivo simples; você fez tudo de bom aqui... Não merece resistir em vão...!

Procurando músicas para simbolizar meu amor por você, até pensei em encontrar uma de Luiz Gonzaga, mas agora a pouco; 02h05minh do dia 13 de julho de 2008 acabei de ouvir He Comes The Sun, de George Harrison e esta foi a que mais me deixou sensibilizado; na letra traduzida, eu trocaria apenas o “queridinha” por Vovô Cael...!

Um beijo carinhoso de seu neto, Vovô Cael...!

Carlos Henrique Mascarenhas Pires

03 de agosto de 2008 - 08:00h - Meu avô faleceu!