Ao amigo P.
Quando estou contigo, somos apenas nós e as coisas
mas quando distantes, somos o mistério invisível indissolúvel
... ou, será, sou eu mesma e só o próprio mistério?
é que o mundo se liga a mim imperativamente.
Por mais que eu o rejeite, insubmissa,
ele me engole e já não sei qual dos dois sou eu.
Porque o mundo não me necessita definitivamente.
Nem de minha contingência. E eu, eu não o pedi, nem aceitei-o.
E, no entanto, ele passou a me ser. Eu o sou.
Pois tu estás nele como eu, e não nos alcançamos um ao outro, e jamais o conseguiremos fazer.
Mas, inalcançáveis, sorríamos debilmente como humanos podem sorrir.
Falávamos ingenuamente como humanos têm a habilidade de falar.
Pensávamos irracionalmente como humanos pretendem não pensar.
Olhávamos curiosamente como humanos olham enquanto o tempo não esmaeceu sua curiosidade.
Andávamos ao curso da Fortuna, a deusa esquecida pelo planejamento, carregados por brisas ocasionais.
E temíamos que o que rejeitávamos do mundo nos prendesse definitivamente, apesar de nossa recusa.
Projetávamos ações que humanos não projetam, com fins que humanos não aceitam.
Um dia, teremos nossos pescoços sob o jugo lunar,
por questionarmos a ordem das coisas.
E, separados, ainda estamos juntos em parte...
Embora possa apenas eu o sentir,
pois minha humanidade só me permite criar vínculos afetivos profundos com os outros e mais nada,
embora tu talvez não o sintas.
Tu, tu não estás nas notas das músicas que crio ou toco ou canto ou ouço,
mas emanas delas como um vulto que causa sofrimento.
Tu não estás nos lugares por onde passávamos,
mesmo que neles surjas, fantasmagoricamente, através das paredes.
Compõe-me, como tantas coisas, e estamos atravessados na linha de tempo um do outro.
Atravessados irremediavelmente e para sempre.
Por mais que nos esqueçamos,
por mais que nossa consciência não alcance,
por mais que aprendamos a conviver com a separação,
por mais que não precisemos um do outro,
o vínculo não é apenas contingente e humano,
transcende-nos: rompemos o tempo sem saber...