@@ nossas conversas@@
Naquele dia, achei estranho a maneira como ela falou do meu bisavô. Afinal, em todas as suas histórias, definia-o como um homem perfeito. Educado, inteligente, trabalhador e gentil. Era este o conceito que eu tinha sobre ele. Pelo menos até aquele dia.
Eu adorava ir em sua casa e viajar em sua conversa sobre o passado. Isso me atraía, passando as cenas na minha cabeça em preto e branco, como as fotos da época em que se passava. Ela contava as lembranças com um sorriso nos lábios e eu me divertia imaginando as cenas e criando meus lindos personagens.
Com o passar do tempo, as histórias começaram a se repetir, mas eu as ouvia mesmo sabendo de todos os finais. Minhas tardes de domingo eram de fantasias dos anos 30 e a sua voz me embalava nessa viagem.
Quando já estava na faculdade, onde só tinha tempo para estudos, dança, trabalho e namoro, percebi minhas visitas mais escassas, mas mesmo assim, nos fins de semana eu as ouvia, sempre, cada vez mais repetitivas, mas sempre me emocionavam.
Numa tarde, porém, querendo ouvir mais elogios sobre o meu bisavô, perguntei novamente como ele era. Para minha surpresa, numa resposta segura e ao mesmo tempo aliviada, disse-me sonoramente: “não valia merrrrrda”. Dessa forma, num “r” demorado e insistente, como um engasgado desabafo. Vendo meu espanto, caiu na risada e deixou-me sem maiores explicações. Eu acompanhei seu sorriso e depois do susto fiquei rindo da resposta e do palavrão, jamais escutado daquela boca, para mim, tão santa.
Antes mesmo que eu viesse a saber os motivos, estando eu saindo da dança, soube que minha voz rouca calara-se. Saí com meus olhos marejados e corri pra vê-la pela última vez. Era tarde. Quando cheguei já a estavam levando, tentando colocar o caixão no elevador. Ouvi o despencar do corpinho frágil lá dentro e meu coração gritou pelo descaso àquela avó que eu tanto admirava. Foi-se minha contadora de histórias, levando com ela a imagem do meu bisavô perfeito, que morrera uma semana antes dentro de mim.
Hoje recordo e ainda sorrio quando me lembro do sonoro “merrrrrda” escutado naquela tarde por tão santa criatura, minha bisavó Estelita.
Naquele dia, achei estranho a maneira como ela falou do meu bisavô. Afinal, em todas as suas histórias, definia-o como um homem perfeito. Educado, inteligente, trabalhador e gentil. Era este o conceito que eu tinha sobre ele. Pelo menos até aquele dia.
Eu adorava ir em sua casa e viajar em sua conversa sobre o passado. Isso me atraía, passando as cenas na minha cabeça em preto e branco, como as fotos da época em que se passava. Ela contava as lembranças com um sorriso nos lábios e eu me divertia imaginando as cenas e criando meus lindos personagens.
Com o passar do tempo, as histórias começaram a se repetir, mas eu as ouvia mesmo sabendo de todos os finais. Minhas tardes de domingo eram de fantasias dos anos 30 e a sua voz me embalava nessa viagem.
Quando já estava na faculdade, onde só tinha tempo para estudos, dança, trabalho e namoro, percebi minhas visitas mais escassas, mas mesmo assim, nos fins de semana eu as ouvia, sempre, cada vez mais repetitivas, mas sempre me emocionavam.
Numa tarde, porém, querendo ouvir mais elogios sobre o meu bisavô, perguntei novamente como ele era. Para minha surpresa, numa resposta segura e ao mesmo tempo aliviada, disse-me sonoramente: “não valia merrrrrda”. Dessa forma, num “r” demorado e insistente, como um engasgado desabafo. Vendo meu espanto, caiu na risada e deixou-me sem maiores explicações. Eu acompanhei seu sorriso e depois do susto fiquei rindo da resposta e do palavrão, jamais escutado daquela boca, para mim, tão santa.
Antes mesmo que eu viesse a saber os motivos, estando eu saindo da dança, soube que minha voz rouca calara-se. Saí com meus olhos marejados e corri pra vê-la pela última vez. Era tarde. Quando cheguei já a estavam levando, tentando colocar o caixão no elevador. Ouvi o despencar do corpinho frágil lá dentro e meu coração gritou pelo descaso àquela avó que eu tanto admirava. Foi-se minha contadora de histórias, levando com ela a imagem do meu bisavô perfeito, que morrera uma semana antes dentro de mim.
Hoje recordo e ainda sorrio quando me lembro do sonoro “merrrrrda” escutado naquela tarde por tão santa criatura, minha bisavó Estelita.